Brasília,
18 de outubro de 2007 — O Projeto de Lei 6.424,
de 2005, em tramitação na Comissão
de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável
e encaminhado pelo Presidente da Câmara
dos Deputados à Comissão de
Agricultura, constitui um enorme risco para
a integridade dos biomas brasileiros.
O atual Código Florestal
brasileiro estabelece a necessidade de que
cada propriedade rural tenha uma área
mínima de florestas e outros ecossistemas
naturais conservados. Essa área mínima
é a soma das áreas de preservação
permanente (como topos de montanha, margens
dos rios, lagos e outros cursos d’água)
e a área chamada Reserva Legal. A função
da Reserva Legal é de manter, dentro
de cada propriedade, uma percentagem mínima
de vegetação nativa, que cumpre
uma importante função ecológica
como hábitat para a biodiversidade
e fornece diversos serviços ambientais
como o estoque de produtos florestais, controle
de pragas e incêndios, melhoria da produção
de água; proteção do
solo e corpos d’água evitando erosão
e assoreamento; e captação de
carbono da atmosfera.
A legislação
brasileira estabelece que a área de
reserva legal deva ser de 80% na Amazônia
Legal, 35% na região de cerrado que
esteja nos estados da Amazônia Legal
e 20% nas demais regiões do país.
A grande maioria das propriedades
rurais brasileiras não possui as áreas
de preservação permanente (APPs)
e de reserva legal (RL), conforme determina
o Código Florestal. O PL 6.424 é
uma tentativa de estimular os proprietários
rurais a regularizarem sua situação
perante o Código Florestal. A legislação
brasileira atual já prevê, em
alguns casos específicos, mecanismos
de compensação, onde o proprietário
compensa o dano ambiental causado em sua propriedade
por meio de aquisição direta
de uma área com vegetação
nativa em região próxima à
sua propriedade ou através de cotas
de reserva florestal.
O PL 6.424 aumenta de forma
inconseqüente e sem o devido embasamento
técnico-científico as formas
de compensação, permitindo novos
mecanismos que terão um impacto significativo
na biodiversidade e conservação
das florestas brasileiras e no ordenamento
territorial da paisagem rural do país.
As ONGs abaixo-assinadas
indicam que os seguintes pontos do PL 6.424/2005
consistem em ameaças à conservação
das florestas:
1. A possibilidade de recuperação
de 30% da Reserva Legal na Amazônia
com espécies exóticas, incluindo
palmáceas.
Na prática, esse
dispositivo significa a redução
da Reserva Legal na Amazônia para 50%,
pois o uso de espécies exóticas
reduz as funções ecossistêmicas
das florestas nas propriedades privadas.
2. A possibilidade de compensação
de reserva legal em outra bacia, no mesmo
estado e bioma.
Este dispositivo estabelece
a possibilidade de manter bacias hidrográficas
sem áreas de floresta, com impactos
ecológicos significativos, desestimulando
a recuperação de áreas
degradadas e a conseqüente recuperação
de sua função de fornecedora
de serviços ambientais tais como a
produção de água e chuva
para outros estados brasileiros.
3. A possibilidade de cômputo
da Área de Preservação
Permanente no percentual de Reserva Legal.
Em algumas regiões
do país isso pode significar que a
Reserva Legal deixe de existir, pressupondo
equivocadamente que a função
ecológica e econômica da Reserva
Legal possa ser cumprida pelas áreas
de preservação permanente, onde
o seu manejo é mais restritivo
4. A compensação
da Reserva Legal mediante doação
de área para regularização
fundiária de terras de comunidades
tradicionais ou a recuperação
ambiental de áreas degradadas no mesmo
estado em territórios de povos e populações
tradicionais, assentamentos rurais ou em florestas
públicas destinadas a comunidades locais.
Trata-se da transferência
de ônus da regularização
da reserva legal de propriedades privadas
para comunidades tradicionais, restringindo
a possibilidade dessa comunidade em decidir
sobre o uso do seu território. A compensação
obrigará a comunidade a manter essa
área sob o mesmo regime da Reserva
Legal. Trata-se de uma transferência
de responsabilidade do poder público
a terceiros. No caso da recuperação,
cria um ônus pela responsabilidade de
manutenção das áreas
a serem recuperadas.
5. A falta de vinculação
da concessão de crédito à
regularização ambiental das
propriedades rurais.
Com isso, mantém-se
a possibilidade de acesso ao crédito
rural pelas propriedades que desmataram áreas
acima do permitido pelo Código Florestal
brasileiro.
6. Falta de incentivos econômicos
para recuperação e manutenção
da Reserva Legal.
Perde-se a oportunidade
de propor mecanismos econômicos para
viabilizar um modelo de desenvolvimento econômico
baseado na floresta em pé, explorando
os seus produtos e serviços de forma
sustentável.
Além disso, tendo
em vista a rapidez com que vêm se dando
as negociações em torno da proposta,
houve pouca participação de
representantes de organizações
da sociedade civil, em especial das instituições
que atuam em outros biomas igualmente importantes,
como Caatinga e Cerrado, e do envolvimento
da opinião pública brasileira.
É fundamental que as conseqüências
das propostas para estes biomas sejam devidamente
analisadas e as mudanças avalizadas
pela sociedade.
Propostas de alteração
do Código Florestal devem estar baseadas
em critérios objetivos, evitando-se
um elevado grau de subjetividade a ser definido
por regulamentações posteriores
e a transferência da responsabilidade
para os estados cuja estrutura de gestão
ambiental é precária ou inexistente.
Aprimorar o Código
Florestal, na lógica de otimizar o
uso de áreas desmatadas e impedir novos
desmatamentos é uma perspectiva positiva
do ponto de vista sócio-ambiental.
Para tanto, é fundamental que as mudanças
consolidem um entendimento comum de valorização
da floresta e que estejam de acordo com as
expectativas da opinião pública
brasileira.
As entidades ambientalistas
reconhecem que é indispensável
para o país promover o desenvolvimento
econômico e a geração
de empregos. Combinar esses fatores à
conservação dos recursos naturais,
garantindo a integridade dos ecossistemas
é fundamental para um desenvolvimento
sustentável a longo prazo.
Entretanto, a crise climática global
e o papel dos desmatamentos na emissão
de gases do efeito estufa exigem uma postura
enérgica de controle dos desmatamentos
e manutenção dos ativos florestais
existentes no país. A proposta tal
como apresentada, ao contrário, contribui
para a redução da cobertura
florestal em um momento em que surgem os primeiros
sinais de um aumento nos índices de
desmatamento ao longo da fronteira agrícola
brasileira.
É fundamental que
a proposta como um todo seja revista de forma
cuidadosa, com um amplo debate envolvendo
a sociedade brasileira.
Amigos da Terra – Amazônia
Brasileira
Associação de Preservação
do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí
(APREMAVI)
Centro dos Trabalhadores da Amazônia
(CTA)
Conservação Internacional (CI-Brasil)
Fundação CEBRAC
Greenpeace
Instituto Centro de Vida (ICV)
Instituto de Estudos Sócio-econômicos
(INESC)
Instituto de Manejo e Certificação
Florestal e Agrícola (IMAFLORA)
Instituto Sociedade, População
e Natureza (ISPN)
Instituto Socioambiental (ISA)
Rede Cerrado de ONGs
WWF - Brasil