28 de Outubro de 2007 -
Marco Antônio Soalheiro - Repórter
da Agência Brasil - Brasília
- O cultivo crescente da cana de açúcar
levou o Brasil à condição
de segundo maior produtor mundial de etanol
(12 milhões de toneladas em 2006),
mas os impactos socioambientais da atividade
permanecem longe da unanimidade.
O documento que alerta para
risco da produção de biocombustíveis
à segurança alimentar, apresentado
pelo relator especial da ONU para o tema,
Jean Ziegler, na última Assembléia
Geral da Organização das Nações
Unidas (ONU), em setembro, também associa
a condição dos trabalhadores
da indústria canavieira no Brasil à
escravidão. Afirma que eles chegam
a receber apenas R$ 2,5 por tonelada cortada
em condições precárias
e por serem registradas centenas de mortes
em serviço.
O Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) aponta a atividade
ainda como grande devastadora de florestas.
“É um modelo de monocultura destruidor,
que causa danos irreparáveis ao meio
ambiente e restringe a possibilidade de uma
reforma agrária ampla e necessária
no país”, disse à Agência
Brasil a porta-voz do MST, Marina dos Santos.
Para o presidente da Comissão
Nacional de Cana de Açúcar da
Confederação da Agricultura
e Pecuária do Brasil (CNA), Edison
Ustulin, as críticas têm pretextos
comerciais. “O discurso ambiental equivocado
está atrelado a pessoas que afetamos
na concorrência internacional, pois
estamos avançando com segurança,
usando tecnologias corretas em áreas
de pastagens e degradadas. Um caminho normal
em um país que precisa melhorar o uso
do solo. Ninguém de bom senso defende
mexer com biomas como a Amazônia e o
Pantanal”, rebateu Ustulin.
A Companhia Nacional de
Abastecimento (Conab) estima uma produção
voltada para o etanol de 470 milhões
de toneladas de cana-de-açúcar
no Brasil em 2007.
Ustulin classifica os casos
de mortes de trabalhadores em lavouras canavieiras
como fatos isolados: "o contingente de
pessoas é muito grande e algumas delas
podem sofrer de doenças congênitas
que escapem dos exames ". Para ele, os
grandes grupos do setor têm consciência
de que precisam garantir os benefícios
sociais aos empregados. "Quem utiliza
mão-de-obra sem registro formal, por
intermédio dos agentes conhecidos como
gatos, tem que ser punido exemplarmente. O
Ministério do Trabalho tem acompanhado
com rigor", avaliou Ustulin.
Representantes dos trabalhadores
rurais sugeriram ao presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, no fim de agosto, a criação
de um fórum permanente para discutir
as condições de trabalho dos
bóias-frias, como são conhecidos
aqueles que vivem de trabalho temporário
na colheita de cana-de-açúcar.
O representante da Organização
das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação (FAO) na América
Latina, José Graziano, defende um reordenamento
da cadeia produtiva do álcool, com
maior participação de pequenos
agricultores. Tal visão é compartilhada
pelo dirigente da CNA. “O Estatuto da Lavoura
Canavieira no Brasil prevê que 40% da
cana utilizada pelas usinas seja procedente
de pequenos produtores, mas o instrumento
não tem funcionado de fato, com usineiros
trabalhando com 100% de matéria-prima
própria”, confirmou Edison Ustulin,
para quem o setor encontra-se “à deriva”
e precisa de regulação efetiva
de mercado para evitar prejuízos que
ainda afetariam produtores.
Para Ustulin, não
existe o risco de a expansão dos biocombustíveis
comprometer a segurança alimentar.
“Com o aumento do poder aquisitivo no mundo,
as pessoas tendem a se alimentar menos”, seguindo
a cultura de vida saudável, disse.
Já o MST , segundo a porta voz Marina
dos Santos, “defende que os recursos naturais
sejam usados prioritariamente para produção
de alimentos e geração de empregos”.
Quanto à proposta
de um zoneamento agrícola impositivo
no Brasil, recomendada pela FAO, a Comissão
de Cana-de-Açúcar da CNA é
contra. “O zoneamento tem que ser mesmo indicativo,
pois, se não há restrição
ambiental, o produtor tem o direito de escolher
a atividade produtiva que seja mais rentável,
com ou sem crédito oficial. Agora,
quem entrar em área proibida deve ser
excluído de financiamentos”, defendeu
Ustulin.
O MST, informou Marina dos
Santos, admite que até 20% das áreas
de assentamento sejam utilizadas para produzir
matérias-primas de energia, mas sem
que a atividade se sobreponha ao cultivo alimentar.
O economista Ignacy Sachs
se afirma favorável à produção
dos biocombustíveis a partir da agricultura
familiar e avalia que o Estado precisa definir
critérios e políticas que empurrem
a atividade no rumo “virtuoso” e não
no “perverso”.