28 de Outubro de 2007 -
Marco Antônio Soalheiro* - Repórter
da Agência Brasil - Brasília
- Não há consenso sobre os riscos
para a produção de alimentos
no Brasil com o avanço do biocombustível,
indicam entrevistas feitas pela Agência
Brasil. Relatórios recentes do Banco
Mundial (Bird) e da Organização
das Nações Unidas (ONU) trazem
alerta aos países em torno da questão.
Para o ministro da Ciência
e Tecnologia, Sergio Rezende, o Brasil está
livre de problemas alimentares e ambientais
que possam ser provocados pelo crescimento
da produção do setor. “O país,
hoje, produz cana em 6 milhões de hectares
de terras. Para os outros produtos, ainda
restam mais de 300 milhões de hectares
agricultáveis, sem tocar em um palmo
de floresta”, disse. Rezende calcula que até
2015 a cana deve ocupar 20 milhões
de hectares, o que seria suficiente para o
Brasil atender a 10% da demanda mundial de
etanol.
Segundo o ministro, o que
ocorre no país é um esforço
pelo melhor aproveitamento de pastagens e
terras subutilizadas com culturas voltadas
ao biocombustível. “O Brasil já
foi citado na imprensa internacional como
modelo na produção destes combustíveis,
por incrementar a atividade sem comprometer
a produção de alimentos”, argumenta
Rezende, referindo-se a reportagem da revista
National Geographic neste mês.
A avaliação
do ministro não é compartilhada
pelo pesquisador Edélcio Zigna, coordenador
do grupo de trabalho de agricultura da Rede
Brasileira pela Integração dos
Povos (Rebrip). Estudos da entidade falam
em falta de pesquisas mais amplas de impacto
e mapeamento considerando as variáveis
sociais, agrícolas e ecológicas,
para delimitar claramente áreas onde
os efeitos da monocultura da cana, do milho
e de óleos vegetais seriam minorados.
“O biocombustível
está agravando a concentração
de renda no Brasil. O produtor de matéria-prima
é apenas um elo a mais numa cadeia
enorme, dominada por grupos transnacionais
que substituem mão de obra por culturas
mecanizadas”, criticou Zigna.
O especialista da Rebrip
avalia, entretanto, como um exagero a tese
de que a atividade alcooleira vai agravar
a fome mundial. Segundo ele, o problema é
provocado mais por dificuldade de acesso que
por insuficiência na quantidade. Mas
Zigna aponta possíveis prejuízos
nutritivos com a alta de preço dos
alimentos: “A população pobre
urbana é que pode ser mais prejudicada.
Se hoje ela já come mal, deve ficar
pior. Os restaurantes populares e cestas básica
estão longe de atingir 60% dos brasileiros
que vivem em situação de miséria.”
Já para a consultora
da Ação Brasileira pela Nutrição
e Direitos Humanos (Abrandh) Valéria
Burity, “a expansão desordenada da
produção canavieira pode provocar
aumento de preço dos alimentos e causar
riscos à segurança alimentar”.
Uma pesquisa desenvolvida
pela Rebrip ao longo do ano de 2007, em parceria
com a Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro e a Universidade Federal de Santa
Catarina sobre a influência dos biocombustíveis
na agricultura, está sendo concluída
e deve ser divulgada no próximo mês.
A idéia da entidade é levar
o estudo a debates nas Comissões de
Meio Ambiente e Agricultura do Congresso Nacional.
A Rebrip, informou Edélcio
Zigna, é favorável à
proposta de moratória apresentada na
Assembléia Geral da ONU, no sentido
de se frear temporariamente a expansão
mundial dos biocombustíveis.
+ Mais
Risco dos biocombustíveis
para a alimentação é
tema de relatórios internacionais
28 de Outubro de 2007 -
Marco Antônio Soalheiro - Repórter
da Agência Brasil - Brasília
- Dois documentos recentes, do Banco Mundial
(Bird) e da Organização das
Nações Unidas (ONU), alertam
que a expansão dos biocombustíveis
nos continentes pode provocar aumento significativo
no preço dos alimentos e agravar o
desmatamento e a disputa por terras e água.
O documento da ONU chega
a sugerir um acordo internacional que suspenda
por cinco anos o avanço do setor.
“A medida é necessária
para que haja tempo suficiente de pensar tecnologias
e estabelecer estruturas reguladoras de proteção
contra os efeitos negativos ambientais, sociais
e para os direitos humanos”, diz no texto
o relator da ONU para Segurança alimentar,
Jean Ziegler, que leu a avaliação
na assembléia geral da entidade realizada
em setembro. Na oportunidade, ele defendeu
modelos de produção de biocombustível
baseados em dejetos agrícolas, resíduos
de cultivos e arbustos não alimentícios.
Na abertura do evento, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva
discursou contestando a tese, com o Brasil
como exemplo. “A cana-de-açúcar
ocupa apenas 1% de nossas terras agricultáveis,
com crescentes índices de produtividade.
O problema de fome no planeta não decorre
da falta de alimentos, mas da falta de renda”,
disse, para concluir: “É plenamente
possível combinar biocombustíveis,
preservação ambiental e produção
de alimentos.”
O relatório do Bird,
intitulado Agricultura para o Desenvolvimento,
foi divulgado há nove dias. Apesar
de listar os mesmo riscos apontados pela ONU,
ressalva a capacidade do biocombustível
de contribuir, diante das mudanças
climáticas, para a redução
da dependência do petróleo.
O Brasil é o segundo
maior produtor mundial de etanol (12 milhões
de toneladas em 2006, a partir da cana-de-açúcar),
atrás apenas dos Estados Unidos, que
utilizam o milho como base. Os presidentes
dos dois países assinaram em março
acordo em que se comprometem a incrementar
a produção.
Também cresce a fabricação
de biodiesel mediante a utilização
de óleos vegetais. O estudo da ONU
classifica como possível “desastre”
a conversão de culturas de alimentos
em combustíveis para automóveis
sem examinar os efeitos sobre a fome no mundo.
O direito à alimentação
adequada implica que todas as pessoas tenham
acesso físico e econômico em
todo momento a alimentos suficientes do ponto
de vista nutritivo.
Para Ziegler, “os mitos
da imagem verde e pura do bioetanol e do biodiesel
são utilizados para mascarar relações
político-econômicas entre a terra,
os recursos de um povo e os alimentos”.
Em sua tese, o relator da
ONU cita pesquisa do Instituto de Investigação
sobre Políticas Alimentares (Iipa)
segundo a qual, diante da expansão
dos agrocombustíveis, até 2020
haveria acréscimo de 30% no preço
do trigo, 41% no do milho, 76% no da soja
e 135% no da mandioca. Nas projeções
do Iipa, cada ponto percentual acrescido no
preço médio dos alimentos básicos
resultaria em mais 16 milhões de pessoas
em condição de desnutrição.
Jean Ziegler defendeu, na
assembléia das Nações
Unidas, que a alta dos alimentos, além
de ameaçar sobrevivência de quem
tem renda suficiente apenas para comer, só
viria a beneficiar os produtores agrícolas
pobres se fossem adotados modelos cooperativos
que garantam mais lucratividade a eles. Além
disso, teria como efeitos a intensificação
da disputa por terras e recursos naturais,
como as reservas florestais.
Grandes empresas agroindustriais
tenderiam, segundo Ziegler, a fazer com que
pequenos proprietários fossem despejados
a força. “Existe o risco de que, dada
a competição por terras com
os agricultores independentes, a produção
de biocombustíveis possa produzir maior
desemprego”, escreveu, no relato apresentado
à ONU.
Para a Organização
das Nações Unidas para Agricultura
e Alimentação (FAO), cabe aos
governos dos países criar políticas
reguladoras para o setor.