18/02/2008 - Visita de deputados,
que tinha o objetivo de identificar os prós
e contras da exploração mineral em
terras indígenas, acabou
se transformando em evento de promoção
da atividade. Indígenas reclamam de não
terem sido avisados com antecedência da visita
e manifestam repúdio ao garimpo e à
mineração em suas terras.
Uma comitiva formada pelo presidente,
o relator e alguns integrantes da Comissão
Especial de Mineração em Terra Indígena
da Câmara dos Deputados visitou, no último
dia 14, a Terra Indígena Yanomami, em Roraima.
A proposta era avaliar quais os
possíveis impactos que, se autorizada, a
atividade minerária poderia trazer para as
populações indígenas locais.
Porém, apesar do objetivo manifesto de “apreender
in loco as conseqüências da exploração
de recursos minerais na referida reserva”, a comitiva,
guiada pelo Exército, realizou uma visita
de poucas horas na terra indígena – que tem
9.664.980 hectares, o dobro do tamanho do Estado
do Rio de Janeiro – a duas aldeias próximas
às bases do Exército.
Marcada pela falta de comunicação
entre os deputados e os indígenas, que ficaram
sabendo na véspera que uma comitiva se dirigia
à região, a visita enfrentou contratempos.
Em Xirimihwiki, na região de Surucucus, onde
vivem mais de 2.000 indígenas, a comitiva
foi recebida pelo tuxaua e por alguns jovens, pois
a maior parte da comunidade havia saído para
pescar e caçar.
Segundo Relatório da Hutukara
Associação Yanomami (HAY), após
a abertura feita pelo General Eliezer Monteiro Filho,
comandante da 1ª Brigada de Infantaria da Selva
no Estado, o presidente da Comissão Especial,
Deputado Édio Lopes (PMDB/RR) explicou que
a mineração em terras indígenas
era permitida pela Constituição Federal
e traria benefícios aos índios, como
ajuda em educação e saúde.
O tuxaua Paraná, líder da maloca Xirimihwiki,
respondeu com a lembrança da morte de muitos
Yanomami quando sua terra foi invadida por garimpeiros:
“Os Yanomami não querem a mineração
porque sabem que ela vai destruir a floresta e os
rios”. Diante da posição contrária,
o tuxaua teria sido convidado a visitar outros países,
como o Canadá, para conhecer como a mineração
havia melhorado a vida de outros índios,
o que foi rejeitado.
Em outra reunião, a Comitiva
foi recebida por aproximadamente 200 Sanuma e Ye'kuana,
em Auaris, região habitada por cerca de 2.100
indígenas. A conversa começou com
a ponderação do General Monteiro Filho
sobre a importância do assunto para os índios.
Em seguida, o líder Ye`kuana Marco Antônio
declarou que “mineração não
é bom porque vai mexer na terra, subsolo
para tirar ouro, diamante, cassiterita, ferro, colocar
para muito longe os animais, prejudicar os rios
e as águas de beber e tomar banho, trazer
muitas doenças, mudar o jeito de os índios
viverem na floresta. Isto não é bom
para nós. O que precisamos é melhorar
saúde, educação”.
A viagem inesperada e a falta
de organização para discutir um tema
de forte impacto sobre a vida das comunidades indígenas
contrariou algumas lideranças indígenas.
O líder e professor Rezende Sanuma afirma
que “a comunidade não sabia, não havia
sido consultada se queria receber as autoridades
e se queria discutir sobre mineração”.
Para ele, a comitiva “estava chegando sem convite
da comunidade” e mesmo o Exército não
poderia trazer ninguém para conversar com
eles sem consultar os indígenas, “pois isso
é um desrespeito aos índios”. A HAY,
no relatório, menciona também a ausência
da Funai e do Ministério Público Federal
para acompanhar o debate.
Minério e morte
O forte sentimento dos Yanomami
contra a exploração mineral é
resultado da maciça invasão garimpeira,
intensificada no período em que o autor do
Projeto de Lei de Mineração, Romero
Jucá, foi presidente da Funai, entre maio
de 1986 a setembro de 1988.
O garimpo levou de 30 a 40 mil
garimpeiros a terra indígena e, com a chegada
de doenças e a introdução de
armas de fogo, causou a morte de centenas de Yanomami.
Em 1993, houve o massacre de Haximu,
em que garimpeiros dizimaram 16 Yanomami entre adultos
e crianças. Apesar de, atualmente, a terra
indígena yanomami estar invadida por cerca
de 1.000 garimpeiros, a comitiva não sobrevôou
os locais devastados pela ação garimpeira
ilegal. Veja ao lado um mapa produzido pela Comissão
Pró-Yanomami (CCPY) sobre os prováveis
locais de garimpo.
A realização da
festa cultural Maryba pelos Waimiri-Atroari frustou
a programação da comitiva de visitar
a terra indígena para conhecer as conseqüências
da exploração mineral e os programas
de controle dos impactos ambientais desenvolvidos
na região. A visita que não ocorreu
estava prevista para o dia 15 de fevereiro, mas
não tinha o consentimento dos indígenas.
Em nota assinada por quatro membros da comunidade
que não participaram do ritual, a comunidade
Waimiri-Atroari expressou o seu descontentamento
com o imprevisto e o pouco tempo destinado à
visita. O texto (veja abaixo) também manifestou
o interesse em discutir o assunto de forma adequada.
Os Waimiri Atroari, através
de suas lideranças, se manisfetaram sobre
a notícia da visita de uma comissão
de Deputados Federais a Terra Indígena Waimiri
Atroari, para discutirem a possibilidade de mineração
em Terras Indígenas.
Lamentaram que não houve
nenhuma consulta, nem mesmo aviso aos Waimiri Atroari
sobre a viagem e sobre os objetivos a serem atingidos.
Os Waimiri Atroari estão
em plena atividade cultural – Maryba – onde todos
participam e que tem restrições cerimoniais
quanto a paralisação dos rituais e
afastamento de qualquer membro da comunidade para
tratar de assuntos diferentes.
Por isto, ao saberem da “visita”
dos deputados nesta hora que não poderão
participar das discussões, informam que só
quatro líderes, que não estão
participando dos rituais se disponibilizaram a receber
a comissão, na sede do NAWA.
Quanto à discussão
de mineração em terras indígenas,
assunto de vital importância para todos os
índios, demonstraram total insatisfação
pela forma encaminhada pela Comissão de Deputados,
que pretendem em poucas horas, conhecerem os índios,
discutirem as formas de como poderá ocorrer
mineração em Terras Indígenas,
assunto que exige muito conhecimento e reflexão
para quem poderá encaminhar ao legislativo
a regulamentação de exploração
mineral nas terras indígenas.
Mesmo assim demonstraram estarem
prontos para discutirem o assunto, contanto que
seja com tempo adequado e com um agendamento que
não prejudique suas atividades culturais.
Além do que consideram
um total desrespeito a eles, um grupo de pessoas,
mesmo Deputados Federais, chegar sem aviso em suas
terras.
Pela comunidade indígena
Waimiri Atroari
MARIO PARWE ATROARI
WAME ATROARI
WARAKASHI ATROARI
SAUÁ ATROARI
Consulta Prévia
A Convenção 169
da OIT, que entrou em vigor em 2003, estabelece
que os povos indígenas devem ser consultados
– mediante procedimentos apropriados e, particularmente,
através de suas instituições
representativas – cada vez que sejam previstas medidas
legislativas ou administrativas que possam afetá-los
diretamente.
É esperado, então,
que a Comissão Especial organize a consulta
prévia sobre o projeto de lei em análise,
de forma a atender o disposto na Convenção.
Os povos indígenas, por intermédio
de suas instituições, devem ser previamente
informados sobre o conteúdo da medida legislativa,
com ter tempo necessário para avaliá-lo
e expressar a sua opinião, que deverá
ser considerada.