22/04/2008
- Ao final do Acampamento Terra Livre 2008, realizado
de 15 a 17 de abril, na Esplanada dos Ministérios,
em Brasília, foi divulgado documento com
as reivindicações dos povos indígenas
no que se refere, principalmente, ao direito ao
tratamento diferenciado e solicitando a reformulação
e a implementação de políticas
públicas como no caso da saúde e da
educação.
Cerca de 800 representantes de
230 povos indígenas assinaram o texto final
do Abril Indígena 2008, no qual detalham
tópicos como a necessidade de criação
do Conselho Nacional de Política Indigenista
e da aprovação do Estatuto dos Povos
Indígenas; a reformulação urgente
da política de saúde voltada aos povos
indígenas; a demarcação e a
regularização de todas as terras indígenas,
garantindo a sua devida desintrusão e proteção;
a adoção de medidas urgentes para
conter o processo de violência e criminalização;
e a implementação de uma política
de educação escolar indígena
de qualidade.
O documento termina com a afirmação
de que os povos indígenas têm muito
a contribuir para o desenvolvimento sustentável
do País e para a construção
de uma sociedade justa, verdadeiramente pluriétnica
e democrática. (Leia a carta na íntegra).
Para a advogada Ana Paula Souto
Maior, do ISA, é necessário valorizar
a diversidade sócio-cultural brasileira e
implementar os direitos fundamentais coletivos assegurados
aos índios: "O desafio está na
necessidade de criação de novos mecanismos
e no aperfeiçoamento dos existentes, que
permitam a participação plena dos
povos indígenas na discussão, elaboração
e implementação de políticas
públicas, de projetos de desenvolvimento
nacional, de projetos de lei no Congresso."
Marcha de protesto
Na última quinta-feira
(17/4), após a redação do documento
final, os indígenas fizeram uma marcha na
Esplanada, em protesto contra o governo. Por volta
das 17h, atravessaram o Eixo Monumental e, em frente
ao Ministério da Defesa, criticaram a posição
do Exército brasileiro diante dos direitos
territoriais indígenas e a posição
do comandante Militar da Amazônia, general
Augusto Heleno, no que se refere às questões
de demarcação e segurança nacional.
De lá, a passeata indígena
seguiu para o Ministério da Saúde,
onde a manifestação foi contra a Fundação
Nacional de Saúde (Funasa) e o atendimento
precário prestado aos índios, resultando
na morte de centenas de crianças por falta
de assistência médica e desnutrição.
Para chamar a atenção, queimaram e
lançaram flechas em um boneco, que representava
o ministro da Saúde, José Gomes Temporão.
Em vez de uma carta de protesto, deixaram, na porta
do Ministério, um caixão com a denúncia:
"Funasa mata os povos indígenas".
Acompanhado de ministros e assessores,
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe
integrantes da Comissão Nacional de Política
Indigenista e representantes do Acampamento Terra
Livre
A seqüência da manifestação
foi o prédio principal do Supremo Tribunal
Federal (STF), onde a estátua da Justiça
recebeu um cocar. Com palavras de ordem, os índios
pediram a desintrusão da TI Raposa-Serra
do Sol. Mais tarde foram atendidos pelo ministro
Gilmar Mendes, de quem cobraram solução
imediata na questão da demarcação
de Terras Indígenas, como nos casos das TIs
Raposa-Serra do Sol, em Roraima; Ñhanderu
Marangatu, dos Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso
do Sul; e dos Pataxó Hã-Hã-Hãe,
do sul da Bahia.
No dia 18, ao final do Acampamento
Terra Livre, o Presidente Lula recebeu uma delegação
de lideranças do movimento e integrantes
da Comissão Nacional de Política Indigenista.
O Presidente reforçou o apoio à política
da demarcação das terras dos índios
e prometeu às lideranças que o governo
vai defender no Supremo a manutenção
da extensão da TI Raposa - Serra do Sol em
área contínua.
+ Mais
Índios do Rio Negro celebram
devolução de ornamentos sagrados
22/04/2008 - Em cerimônia
realizada em São Gabriel da Cachoeira, noroeste
amazônico, os povos indígenas do Rio
Uaupés receberam de volta, oficialmente,
ornamentos cerimoniais que estavam no Museu do Índio,
em Manaus, havia mais de 70 anos.
A cerimônia de devolução
aconteceu na Maloca da Foirn - Federação
das Organizações Indígenas
do Rio Negro - e contou com a presença de
diversas lideranças indígenas e representantes
de instituições que participaram do
processo de repatriação. A celebração
foi a conclusão de mais uma etapa da série
de atividades estabelecidas para dar continuidade
à revitalização cultural dos
povos da região do Rio Uaupés iniciadas
com o registro da Cachoeira de Iauretê como
Patrimônio Cultural Brasileiro, resultado
de parceria entre o Instituto do Patrimônio
Histórico Artístico Nacional -, Iphan
-, a Foirn e o ISA. A cachoeira foi registrada pelo
Iphan em agosto de 2006 e abriu o Livro dos Lugares
do Patrimônio Imaterial Brasileiro. Em outubro
daquele ano foi oficialmente reconhecida.(Saiba
mais).
Ao longo do século passado,
vários ornamentos cerimoniais foram levados
da região do Rio Uaupés (Terra Indígena
Alto Rio Negro), por viajantes ou missionários
salesianos. Trata-se de objetos sagrados importantes,
usados para realizar grandes rituais de grupos como
os Tukano, Piratapuia, Arapaso, Tariano e outros.
Atualmente, uma parte dessas peças estava
sob a guarda do Museu do Índio, em Manaus,
administrado pelo Patronato Santa Teresinha das
Irmãs Filhas de Maria Auxiliadora.
O desejo de reaver alguns dos
ornamentos que estavam no museu, nasceu quando as
lideranças indígenas tariano de Iauaretê,
envolvidas no processo de registro da Cachoeira,
reergueram no final de 2005, a maloca do Tuxaua
Leopoldino. Localizada na comunidade de Santa Maria,
na margem esquerda do Rio Uaupés, a maloca
foi derrubada há quase um século.
Leopoldino foi uma liderança muito importante
do clã tariano Koivathe, e foi influenciado
pelos padres salesianos a abandonar e a derrubar
sua maloca, sob o argumento de que aquela construção
era algo do “mal”. "Naquela época, os
padres tomaram todos os nossos enfeites, falavam
pros nossos avós saírem das malocas,
porque elas eram coisas do diabo e assim fomos perdendo
as principais referências da nossa cultura",
explicou Adriano de Jesus, líder tariano.
Depois da cachoeira, os ornamentos
De acordo com outro líder
tariano, Luiz Aguiar, assim que a maloca foi reerguida,
eles chegaram à conclusão de que precisavam
de enfeites para realizar suas danças e rituais.
“Circulava um boato na região, de que os
ornamentos sagrados retirados pelos salesianos naquela
época, estariam no Museu do Índio
em Manaus. Então, todo movimento vindo do
registro da Cachoeira nos motivou a ir atrás
desses ornamentos, porque precisávamos deles
principalmente para mostrar à nossa juventude
como os nossos antepassados faziam os seus rituais”.
Quando a maloca do Tuxaua Leopoldino foi inaugurada,
os tuyuka do Alto Rio Tiquié emprestaram
seus adornos para que os tariano pudessem dançar
conforme a tradição.
A primeira visita ao museu aconteceu
em novembro de 2005. Adriano de Jesus Tariano, Luis
Aguiar Tariano e Laureano Maia Tukano, acompanhados
dos antropólogos Ana Gita de Oliveira, do
Iphan, e Geraldo Andrello, do ISA, lá estiveram
para verificar se as freiras guardavam esses enfeites.
A grande maioria dos adornos estava na reserva técnica
do museu, guardados numa sala à parte da
exposição permanente. As lideranças
pediram para examinar o material e constataram que
lá estavam muitos dos objetos levados da
região do Uaupés. Os ornamentos estavam
em caixas de papelão sobre suportes de isopor,
envolvidos com papel de seda. Essas cenas estão
retratadas no filme Iauaretê, Cachoeira das
Onças, produzido pela Vídeo nas Aldeias,
que narra a saga do povo Tariano, sua origem, contato
com missionários e o registro da Cachoeira.
A partir desse dia iniciou-se
um processo de negociação jurídica
do Iphan com o Patronato Santa Teresinha. O processo
incluiu uma segunda visita das lideranças
e dos antropólogos ao museu para inventariar
as peças a serem repatriadas. Foram descritos
no inventário os diversos tipos de peças,
materiais de confecção, números
de tombo, entre outras informações.
Nesse processo não houve como indicar a procedência
precisa das peças, ou seja, a qual grupo
pertenceu, o lugar de origem etc. As informações
se perderam com o tempo devido ao grande número
de grupos indígenas que usavam esses adornos.
Quando os levaram embora, os missionários
não registraram a procedência com precisão,
indicando como origem apenas Rio Caiari - Uaupés.
As irmãs do museu informaram à equipe
que possivelmente esses objetos teriam sido acumulados
ao longo dos anos, a partir da década de
1930 e foram adquiridos pelos missionários
por meio de trocas por sabão, espingarda,
roupas etc.
Por fim, a última etapa
culminou na elaboração de um termo
de compromisso que rege o processo de repatriação
dos ornamentos sagrados, sua retirada definitiva
e entrega à Foirn e ao Cercii- Centro de
Estudos e Revitalização da Cultura
dos Povos Indígenas de Iauaretê - associação
cultural formada por lideranças indígenas
de Iauaretê, que será o fiel depositário
dos enfeites. (Lei o termo de compromisso na íntegra)
No ato oficial de entrega, estavam
todos os envolvidos no processo de repatriação,
inclusive a representante do Patronato Santa Teresinha.
Ana Gita de Oliveira abriu o evento
narrando o histórico do processo de repatriação
e fez a leitura do termo de compromisso assinado
pelo Patronato Santa Terezinha, Iphan, Foirn e Cercii.
Em seguida entregou oficialmente toda a documentação
para a Foirn.
Para Abrahão França,
diretor da Foirn, trata-se de um marco histórico
para o movimento indígena do Rio Negro que
há mais de 20 anos vem lutando pela valorização
e revitalização da sua cultura. "Esse
ato é um símbolo que representa a
força e a resistência das nossas lideranças
que buscam essa revitalização”, afirmou.
Geraldo Andrello do ISA,enfatizou
que muitas vezes, os museólogos em geral,
se preocupam com a conservação e guarda
adequada de objetos que saíram dos museus
para voltar aos “antigos donos” ou novos responsáveis.
“Isso não será um problema para as
lideranças em Iauaretê, pelo contrário,
eles informaram que vão conservar esses adornos
como os antigos faziam no passado. Eles saíram
de um museu onde eram guardados pelos brancos numa
reserva técnica e agora voltam a serem conservados
pelos índios, tal como era antigamente, de
acordo com as formas tradicionais de guarda e de
uso. Daqui para a frente esses objetos passarão
a ter uma nova vida, talvez muito mais próxima
daquela que tiveram no passado”, disse.
Adriano de Jesus e Luiz Aguiar,
representando as lideranças de Iauaretê,
relataram as conversas que mantiveram com as freiras
para ter os objetos de volta. “Nós dissemos
às irmãs que só queríamos
que nossos enfeites voltassem para casa, de onde
nunca deveriam ter saído”, afirmou Adriano.
“Algumas peças estão mal conservadas
e eu digo que foram os brancos que não conservaram
direito, quando elas retornarem para Iauaretê
vamos ter que reformá-las”, disse Luiz Aguiar.
Irmã Firmina, representante
do Patronato Santa Teresinha, ressaltou que se tratava
de um momento importante também para as missionárias,
por marcar uma fase onde a história do contato
entre missionários e indígenas passa
a ser contada de outra forma. “Somos filhos de uma
história que há 97 anos era de um
jeito e hoje é de outro. “Esse é o
nosso reconhecimento, porque a história continua
nas mãos dos verdadeiros donos da história
que são vocês, os índios. Então,
tirando aquelas marcas negras que ficaram no caminho,
vamos escrever novas páginas juntos. Que
seja mais uma história a ser ensinada à
juventude a qual nós queremos continuar a
servir a ajudar".
Os ornamentos sagrados
São 108 peças de
16 tipos diferentes. Todas usadas ritualmente com
grande respeito. No museu, os índios escolheram
especificamente um conjunto de adornos usados nas
danças e rituais. Os adornos são formados
principalmente pelos “mahapuari” (na língua
tukano) - faixa frontal tecida com penas coloridas.
As outras peças do conjunto (pingentes, braçadeiras,
colares) são confeccionadas com penugem de
mutum, cordão de pena de japu, asas e penas
de garça, arara, pêlo de macaco, ossos
e e dentes de onça e macaco, entre outros.
Esses objetos rituais são
bens sagrados de uma Maloca, riquezas que principalmente
para os antepassados, indicam a expressão
e a identidade de cada grupo que forma as diversas
etnias da região do Rio Negro. Esses adornos
sagrados e os seus significados, somados aos cantos,
mitos, rituais e benzimentos, formam todo o patrimônio
cultural dos povos e marcam suas relações
sociais no meio em que vivem. Esses bens são
repassados ao longo das gerações.
Theodor Koch-Grünberg, pesquisador
alemão que esteve no noroeste amazônico
entre 1903 a 1905, descreve em seu livro Dois anos
entre os indígenas, cenas que demonstram
a importância dos ornamentos para os povos
da região: “(...) Com razão é
que o indígena se orgulha do seu ornato multicolor
de dança e não quer desfazer-se dele.
É geralmente extremamente difícil,
adquirir os ornatos completos, porque eles são
propriedade coletiva, e uma pessoa tem apenas a
tarefa de os guardar, mas sem o consentimento de
todos não os podem vender”.
E descreve os enfeites que adquiriu:
“Um velho chefe, cego de um olho, vendeu-me um caixa
de trançada de folhas de palmeira, cheia
de adornos para a dança, belas e largas faixas
para a cabeça com penazinhas de arara, um
magnífico adorno de quartzo, cinturão
de dança com dentes de macaco enfiados, chocalhos
feitos de cabaças, adornadas com desenhos
riscados, um bastão artisticamente esculpido
na madeira pesada, marrom, com um punho, que é
lanças rituais com entalhes semelhantes,
e duas pequenas buzinas singulares de madeira que
se abrem em dois lados com funis, completamente
simétricos, e são enrolados espessamente
com cordas de fibras de curauá, passadas
com breu. A parte central fica livre de enrolamento,
e está entalhada com uma espécie de
punho chato e fica enfeitada, na hora do uso, com
uma franja de penas..."
Provisoriamente, os objetos ficarão
guardados na Foirn que muito em breve fará
uma exposição ao público em
geral, quando inaugurar o Centro de Comercialização
e Capacitação, que também será
a sede do Pontão de Cultura do Rio Negro.
Depois os ornamentos serão levados para Iauaretê
e entregues ao Cercii. De acordo com o termo de
compromisso, os adornos são de propriedade
coletiva dos povos indígenas do Rio Uaupés.
Portanto, o Cercii não será o novo
proprietário e sim o fiel depositário,
que se coloca no papel de guardar os objetos e disponibilizá-los
para grupos que venham a se interessar em conhecê-los
e eventualmente a usá-los em celebrações
e festas. Como rege a tradição, esses
ornamentos serão guardados numa caixa especial
dentro da Maloca do Cercii, sob a proteção
de um bayá, ou seja, o mestre das cerimônias,
responsável também pela conservação
e reposição das peças que estiverem
deterioradas.
ISA, Andreza Andrade.