19 de
Fevereiro de 2009 - Vinicius Konchinski - Repórter
da Agência Brasil - Dourados (MS) - Lideranças
indígenas tradicionais da região sul
de Mato Grosso do Sul afirmam que o grupo de índios
que acampa há 24 dias em frente ao escritório
da Fundação Nacional do Índio
(Funai) em Dourados (MS) defende interesses de não-índios.
Segundo eles, os cerca de 40 manifestantes que pedem
a saída de Margarida Nicoletti da chefia
da Funai na cidade querem tumultuar o processo de
demarcação de terras indígenas
iniciado em julho do ano passado.
De acordo com Anastácio
Peralta, índio guarani-kaiowá e membro
da Comissão Nacional de Política Indigenista
(CNPI), Margarida foi a primeira administradora
regional da Funai de Dourados que se comprometeu
a ampliar as terras indígenas da região.
Foi em sua gestão que a Funai firmou um compromisso
com a Procuradoria da República de demarcar
áreas de ocupação tradicional
das etnias guarani-kaiowá e guarani-nhandeva
- fato que foi alvo de críticas de entidades
que representam os produtores rurais e também
de políticos sul-mato-grossenses.
“Eles [os manifestantes] articularam
o protesto com políticos contra a demarcação”,
afirmou Peralta, em entrevista à Agência
Brasil. “Eles dizem que querem melhorar as cestas,
facilitar a retirada de documentos, mas isso é
um projeto sério? Índio precisa é
de mais terras.”
O cacique guarani-kaiowá
Getúlio Juca de Oliveira também acredita
em articulação política dos
manifestantes. “Eles são muito poucos, não
representam a maioria. Os políticos combinaram
com alguns, que combinaram com outros, e eles foram
para lá.”
Em comunicado enviado à
imprensa, o Comitê Indigenista Missionário
(Cimi) de Dourados afirma que os protestos pela
saída de Margarida representam “interesses
políticos dos não-índios que
querem prejudicar a atual administração
[da Funai]”.
Hoje, em entrevista à Agência
Brasil, Dirce Veron, uma das líderes da manifestação,
afirmou que as acusações contra o
protesto querem “mudar o foco real da discussão”.
Filha do cacique kaiowá Marcos Veron, assassinado
em 2003 durante conflitos por terra, ela disse que
nenhum dos manifestantes acampados deseja barrar
a ampliação das terras indígenas
do sul do estado.
“Meu pai morreu pela terra. Você
acha que não quero mais terras para nosso
povo também?”, disse. “Eu só não
concordo com a forma que a Funai está querendo
demarcar essas áreas. Não quero mais
ver índios morrendo por causa terra na região.”
Sobre uma suposta influência
política no protesto, a índia Beth
Moreira, que foi candidata a vereadora de Dourados
pelo partido Democratas, afirmou que a suspeita
não tem fundamento. Ela disse que os manifestantes
são representantes de suas comunidades e
a única ajuda de não-índios
que o protesto recebeu foi da população
que prestou solidariedade por meio de doação
de alimentos.
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Cimi e índios condenam
restrição de defesa imposta por juiz
18 de Fevereiro de 2009 - Vinicius
Konchinski - Enviado Especial - Dourados (MS) -
O assessor jurídico do Conselho Indigenista
Missionário (Cimi), Rogério Rocha,
e a liderança guarani-kaiowá Anastácio
Peralta condenaram a decisão do juiz Celso
Antonio Schuch Santos que proíbe que índios
de Dourados (MS) recebam assistência jurídica
da Fundação Nacional do Índio
(Funai) e da Advocacia-Geral da União (AGU)
nos processos em que respondem por crimes.
Para Peralta, que também
é membro da Comissão Nacional de Política
Indigenista (CNPI), a decisão de Santos mostra
que “ele não conhece nem um pouco a realidade
dos indígenas”. A liderança lamentou
o fato de as posições do juiz não
serem isoladas no Judiciário brasileiro.
“A Justiça do Brasil inteiro está
desta forma: é condenar índio”, afirmou
ele, em entrevista à Agência Brasil.
Rogério Rocha afirmou que
a decisão é inconstitucional e, com
certeza, será derrubada pela Funai. Lembrou,
contudo, que muitos índios podem ser prejudicados
enquanto isso não ocorre.
Rocha disse que Mato Grosso do
Sul tem a maior população carcerária
indígena do país. Segundo ele, pesquisas
apontavam que, em 2006, 116 índios encontravam-se
presos no estado, 68 só em Dourados - estes
possivelmente atingidos pela decisão.
“Se o juiz não aceita a
defesa da Funai, o procurador da Funai não
pode entrar no presídio para falar com o
índio que está preso”, afirmou Rocha,
ressaltando que muitos dos indígenas presos
já são punidos por crimes discutíveis.
Um dos casos mais comuns, segundo
o assessor do Cimi, é a prisão por
estupro presumido, quando um homem é preso
por manter relações sexuais como uma
garota de até 14 anos. Ele explicou que como
os índios costumam casar cedo, muitos maridos
acabam sendo presos acusados de estuprar a própria
esposa, que ainda não completou 15 anos de
idade.
“A defesa de um índio deve
levar em conta aspectos culturais e antropológicos.
Nem sempre um advogado de defesa consegue levar
isso em consideração.”
O juiz Celso Santos reiterou,
em entrevista à Agência Brasil, que
os índios de Dourados não devem ser
defendidos pela Funai pois já estão
adaptados ao convívio social. Ele negou qualquer
tipo de perseguição contra os indígenas
e afirmou ponderar questões culturais em
seus julgamentos.
+ Mais
Juiz proíbe Funai e AGU
de defender indígenas de Dourados (MS)
17 de Fevereiro de 2009 - Vinicius
Konchinski - Enviado Especial - Dourados (MS) -
Índios que respondem a processo criminal
que tramita na 3ª Vara da Comarca de Dourados
(MS) não podem mais ser defendidos por procuradores
da União cedidos à Fundação
Nacional do Índio (Funai). O juiz titular
Celso Antonio Schuch Santos, decidiu que não
vai mais aceitar a assistência jurídica
estatal para defesa dos índios réus
em processos criminais individuais.
Santos já recusou a assistência
jurídica da Advocacia-Geral da União
(AGU) e da Funai em cerca de 20 processos desde
o início da semana passada. Ele afirmou hoje
(17) à Agência Brasil, que sua posição
será a mesma em todos os casos que tramitam
na 3ª Vara Criminal. “O Estado não pode
usar seus órgãos legais para atender
direitos privados”, disse.
De acordo com o magistrado, os
índios que vivem nas duas aldeias localizadas
no município de Dourados, no sul de Mato
Grosso do Sul, não são mais silvícolas
e conhecem as leis nacionais. As aldeias, disse
ele, são próximas à cidade
e os índios estão adaptados ao convívio
social com os brancos. Por isso, não seria
justo que a AGU ou a Funai os defendam.
“Os índios silvícolas
precisam de proteção estatal, mas
este não é o caso de Dourados”, complementou
Santos. “Os índios são eleitores,
votam, podem ser votados, mas, na hora que cometem
um crime, não se defendem como qualquer outro
cidadão brasileiro?”, afirmou.
Conforme a decisão de Santos,
índios réus em processos criminais
devem contratar advogados particulares para sua
defesa ou, caso não tenham condições
de pagar pelo serviço, recorrer à
Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul.
“Isso é o que todo cidadão faz. Vários
índios já são defendidos pela
Defensoria”, afirmou.
A Agência Brasil procurou
a Funai para saber se o órgão irá
recorrer das decisões, mas, até a
publicação da reportagem, não
obteve uma resposta.