11 de Novembro de 2009 - Sistemas
de geração e transmissão menores
e distribuídos pelo país podem ser
muito mais seguros para a provisão de energia
- O blecaute de ontem é uma oportunidade
para uma análise mais ampla do que realmente
está acontecendo no setor de energia.
Por Ricardo Baitelo, coordenador
da campanha de energias renováveis do Greenpeace
O assunto do dia em todo o país,
e até no exterior, é o blecaute que
deixou 18 Estados e o Distrito Federal no escuro
ontem. A discussão sobre o sistema de abastecimento
energético brasileiro está em todas
as TVs, na internet, nas escolas, nos bares. Enfim,
em cada esquina pipoca um palpite sobre o apagão.
A oportunidade é para uma análise
mais ampla do que realmente está acontecendo
no setor, além da tão debatida vulnerabilidade
do sistema de transmissão integrado.
O Sistema brasileiro de eletricidade
(Sistema Interligado Nacional) é formado
por empresas regionais de geração
e distribuição, que possibilitam que
a energia gerada em Itaipu seja enviada para as
demais regiões país. Então,
quando acontece um acidente em pontos críticos
da linha de transmissão, como o de ontem,
várias regiões podem ser atingidas.
As usinas nuclear Angra I e II
são ligadas a esse mesmo sistema e ontem
também tiveram que ser desligadas. Elas ainda
permanecem desligadas e a retomada da operação
pode durar dias. Para suprir a demanda de energia
nuclear foram acionadas quatro usinas termelétricas
a diesel, processo de geração com
alto nível de emissão gases do efeito
estufa.
Uma discussão mais profunda
do problema começa pelo fato da transmissão
centralizada ser fruto de um sistema de geração
também centralizado e passa, obrigatoriamente,
pelas mudanças climáticas.
Sistemas de geração
e transmissão menores e distribuídos
pelo país podem ser muito mais seguros para
a provisão de energia. O relatório
[r]evolução energética, lançado
em 2007 pelo Greenpeace, já propunha a descentralização
da geração e da distribuição
de energia, gerada por fontes renováveis,
ao invés de se investir em grandes hidrelétricas
ou usinas nucleares.
Esses núcleos energéticos
poderiam gerar energia a partir de fontes renováveis.
O potencial de geração renovável
por novas fontes é enorme. Estima-se que
a energia eólica poderia atender 20% da demanda
energética nacional em 2050 e a geração
de energia por diferentes formas de biomassa poderia
representar 26% da matriz elétrica nacional
neste mesmo ano. Hoje essas fontes representam menos
de 5% da energia elétrica produzida no país.
A geração eólica no Nordeste
ou a cogeração a biomassa no Sudeste,
com redes de transmissão menos dependentes
poderiam ter reduzido o problema de ontem. Além
de ter dispensado o uso das termelétricas.
A revolução energética
brasileira, no entanto, está emperrada na
Câmara dos Deputados. A consolidação
de um mercado de renovável consistente só
será possível com o estabelecimento
de uma política nacional para energias renováveis.
A proposta de um projeto de lei já existe.
Foi redigida pela Comissão Especial de Energias
Renováveis com contribuições
do Greenpeace.
Alguns deputados, no entanto,
não entenderam – ou não quiseram entender
- a urgência do assunto e tentam atrasar a
aprovação do projeto. O texto que
poderia já estar no Senado, agora vai passar
por discussão e votação no
plenário da Câmara dos Deputados. Não
há previsão de quando vai continuar
seguindo o seu curso normal.
Às vésperas de um
novo acordo climático, em Copenhague, que
limitará as emissões de gases de efeito
estufa de todos os países, e logo após
o maior apagão da história do país,
é preciso repensar o nosso modelo energético
atual e, principalmente, os investimentos do setor
no futuro.
+ Mais
O bonde americano e o caminho
do precipício
10 de Novembro de 2009 - Barcelona
— As negociações não avançaram
durante a reunião sobre o clima em Barcelona
e as decisões foram mais uma vez postergadas
A última semana oficial
de negociação entre países
antes do início da Conferência do Clima,
em dezembro em Copenhague, acabou tão gélida
quanto a Dinamarca no inverno. Os Estados Unidos
se tornaram, mais uma vez, o grande entrave para
o avanço das conversas, que precisam resultar
em um acordo de como controlar o aquecimento global.
O maior emissor histórico
de gases-estufa – e portanto essencial na formação
de qualquer regime político a ser seguido
neste setor – recusa-se a assumir metas reais de
corte de emissões, com validade legal. Esse
movimento é nocivo por dois motivos: os americanos
fogem de sua responsabilidade histórica e
ainda servem de escudo para outros, ricos e pobres,
que também não querem assumir nada
de verdade. É como uma grande galinha protegendo
seus filhotes.
A reunião de Barcelona
mostrou que os países que não estão
dispostos a negociar tentam enfraquecer o acordo.
Os países em desenvolvimento, por sua vez,
pressionam por um documento robusto, mas também
não assumem compromissos enquanto o mundo
industrializado não se mexer.
É o caso do Brasil. Apesar
de não precisar se comprometer com metas,
o governo ganharia em mérito se avançasse
e colocasse na mesa números para cortar emissões
de gases-estufa, e ainda ajudaria a destravar as
negociações. Porém, na semana
passada, perdeu uma ótima oportunidade e
adiou a divulgação de qualquer plano
para conter o aquecimento global. O não-anúncio
caiu como um balde de água fria em Barcelona,
gelando de vez os ânimos de quem esperava
um avanço nessa área.
De acordo com Luiz Alberto Figueiredo,
chefe das negociações brasileiras
nas reuniões, o Brasil vai ter suas ações,
elas serão ambiciosas e o país será
parte da solução, mas não há
metas. Até o momento, o único acordo
fechado para o Brasil levar a Copenhague é
o compromisso de reduzir em até 80% o desmatamento
da Amazônia – insuficiente para um país
que se coloca como potência regional.
Nesse jogo de esconde-esconde,
quem mais perde são as pessoas, especialmente
as mais pobres, aquelas que deveriam ser representadas
pelos engravatados que circulam nos corredores da
ONU e dessas conferências. O aquecimento global
se agrava paulatinamente.
As vozes mais veementes vêm de quem já
sofre com as mudanças climáticas,
cuja sobrevivência está ameaçada.
“Seremos vítimas da nossa própria
inação”, disse o diplomata que representa
as Ilhas Salomão – que serão muito
afetadas pela elevação do nível
do mar - durante a plenária de fechamento
da reunião de Barcelona.
Copenhague e o futuro
Em Copenhague espera-se que sejam
definidos os termos da segunda fase do Protocolo
de Kyoto , estipulando metas mais arrojadas de redução
de emissão para as nações mais
ricas e industrializadas e sua implementação.
Além disso, comprometimentos adicionais como
financiamentos de ações de adaptação
e mitigação dos efeitos das mudanças
climáticas nos países em desenvolvimento,
mecanismos de redução de emissões
pelo desmatamento e degradação (REDD)
e de mercado de carbono devem ser acordadas em dezembro.
No entanto, até agora,
poucos países assumiram metas de redução
de emissão e só ofereceram migalhas
para financiar a implantação de uma
economia de baixo carbono, sinalizando que tudo
só vai ser definido mesmo, na melhor das
hipóteses, nos 45 do segundo tempo da conferência.
“É claro que a reunião
de Copenhague pode falhar. Se faltar vontade política
e coragem para os principais líderes mundiais
como Obama, Merkel, Sarkozy e Lula agirem, o acordo
vai por água abaixo”, disse o coordenador
político do Greenpeace, Martin Kaiser. “Mas
tudo está encaminhado e há tempo suficiente
para colocar um acordo ambicioso e justo em prática.
O jogo ainda não acabou”, completa.
Na semana passada, aproveitando
a presença do presidente Lula em Londres
para receber o prêmio de estadista do ano
do instituto Chatam House, ativistas do Greenpeace
fizeram um apelo ao presidente para que ele vá
a Copenhague negociar pessoalmente com os outros
chefes de estado um novo protocolo do clima. Lula
conversou com os ativistas e prometeu convidar todos
os maiores líderes políticos a comparecerem
na conferência mais importante sobre o clima
de todos os tempos.
“O histórico das negociações
pelo clima nos ensina a esperar o inesperado. Nós
ganhamos as convenções, o Protocolo
de Kyoto, sua ratificação e a volta
da participação dos EUA nas reuniões,
em Bali – tudo isso em um ambiente de muito pessimismo”,
analisa Kaiser.