17/11/2009
- Organizações da sociedade civil
divulgam carta aberta ao ministro do Meio Ambiente
Carlos Minc, contra acordo com o Ministério
da Agricultura para modificar o Código Florestal
por meio de uma Medida Provisória (MP), que
pode ser publicada esta semana. Segundo as 14 organizações
que assinam o documento, entre os pontos que podem
ser modificados com a MP estão a compensação
de reservas legais em locais distantes, embora no
mesmo bioma, e a recuperação com espécies
exóticas. Leia abaixo a íntegra da
carta.
Senhor Ministro,
Os esforços empreendidos
por Vossa Senhoria para assegurar que o Brasil assumisse
compromissos concretos de redução
de emissões de gases efeito estufa são
louváveis.
Do mesmo modo, a redução
da taxa de desmatamento da Amazônia é
um resultado concreto que coloca o Brasil em excelentes
condições de liderança no que
diz respeito à Convenção de
Mudanças Climáticas. Esse resultado
só foi possível pelos esforços
empreendidos pelo governo no sentido de fazer valer
a legislação florestal.
Por essa razão nos causa
imensa preocupação a noticia divulgada
pela imprensa sobre um acordo feito no âmbito
do Governo Federal para modificar o Código
Florestal por meio de uma Medida Provisória
(MP). Além de ser um meio inapropriado para
tratar de um tema tão complexo e importante
como a alteração da legislação
florestal, o conteúdo desse acordo é
inaceitável, pois quebra alguns dos pilares
básicos da legislação, incluindo
pontos que V. Sa. havia assegurado que jamais seriam
aceitos por parte desse Ministério, como
a compensação de reservas legais em
locais a milhares de quilômetros da área
onde deveriam estar, ou a recuperação
dessas com espécies exóticas, dentre
outros.
O acordo feito, se transformado
em lei, irá jogar por água abaixo
os esforços de recuperação
ambiental em boa parte do território nacional,
onde vive a maior parte da população
brasileira, e permitir a ocupação
desordenada de áreas ambientalmente sensíveis,
o que contribuirá para a perpetuação
de eventos como as enchentes e desabamentos de Santa
Catarina.
Um tema de tamanha relevância
para o desenvolvimento do país não
pode ser decidido dessa forma, por via de MP, sem
a participação aberta e transparente
da sociedade. O Congresso Nacional tem discutido
esse tema em diferentes fóruns, promovendo
o debate com os diversos setores envolvidos, e é
dessa forma que o assunto tem que ser conduzido.
Uma MP publicada agora, além de atropelar
as iniciativas já em curso no Congresso Nacional,
nivelará por baixo a discussão, pois
seu rito de aprovação impede qualquer
discussão mais profunda, já que a
votação acontecerá em plena
virada do ano e já na corrida eleitoral,
o que coloca em risco qualquer texto que seja definido
agora.
Diante do exposto, requeremos
a V. Exa. que cumpra com o compromisso assumido
perante as ONGs e movimentos sociais desde o princípio
do ano e evite que o Código Florestal seja
mais uma vez remendado por meio da edição
de uma MP, sobretudo para derrubar pontos centrais
como a reserva legal, o uso de APPs e o tratamento
diferenciado para a agricultura familiar. Por outro
lado, reforçamos nosso interesse em trabalhar
pela aprovação de uma nova legislação
florestal que reposicione o Brasil como uma potência
mundial em produção de bens e serviços
ambientais.
Assinam:
Amigos da Terra – Amazônia Brasileira
Associação de Preservação
do Meio Ambiente do Alto Vale do Itajaí (Apremavi)
Conservação Internacional – Brasil
Greenpeace
Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá)
Instituto Socioambiental (ISA)
Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia
(Ipam)
Instituto de Estudos Socioeconomicos (Inesc)
Programa da Terra/SP (Proter)
Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA)
SOS Mata Atlântica
The Nature Conservancy (TNC)
Vitae Civilis – Instituto para o Desenvolvimento,
Meio Ambiente e Paz
WWF – Brasil
+ Mais
Sting e Raoni se reencontram em
São Paulo e falam sobre Belo Monte
23/11/2009 - Depois de 20 anos,
o cantor britânico Sting e o cacique kayapó
Raoni reuniram-se em São Paulo neste domingo
(22/11) para conversar sobre a construção
da hidrelétrica de Belo Monte, razão
que os uniu pela primeira vez, em fevereiro de 1989,
em Altamira, no Pará.
Foi um reencontro emocionado de
dois velhos amigos. O cantor Sting, ex-líder
da banda The Police e o líder dos índios
kayapó Raoni, abraçaram-se em São
Paulo e conversaram sobre a questão da construção
hidrelétrica de Belo Monte (principal obra
do Programa de Aceleração do Crescimento
– PAC – do governo federal). O motivo continua sendo
o mesmo que os uniu há vinte anos e continua
em pauta já que a licença prévia
para a usina deve ser concedida em janeiro de 2010.
Depois, ambos receberam a imprensa para uma entrevista
coletiva. À noite, cantaram juntos em show
que o cantor fez na cidade.
Em 1989 como hoje, os povos indígenas
da região não querem a hidrelétrica,
que irá trazer inúmeros impactos a
eles e aos ribeirinhos também. Em 1989 como
hoje, as populações tradicionais têm
a mesma queixa: não estão sendo ouvidas
nem consultadas.
Decisão é do povo
brasileiro
Durante a coletiva, Sting afirmou
que a decisão de construir Belo Monte é
do povo brasileiro e que ele, como estrangeiro,
só poderia reforçar a importância
de que todos os brasileiros precisam ser ouvidos.
“Governo não conversou com índio”,
disse o líder kayapó Megaron, sobrinho
de Raoni, presente ao encontro. “Índio não
sabe o que é audiência pública.
Pensa que é ir lá para brigar”, afirmou.
“Governo não sabe ouvir índio. Lula
quer usar seu poder para fazer Belo Monte de qualquer
jeito”.
O cacique Raoni, falando em língua
kayapó, lembrou de quando foi condecorado
por Lula. "Quando o presidente me deu medalhas
eu perguntei se ele ia assinar a barragem. Ele disse
que não ia assinar. Mas ele nunca nos juntou
para discutir sobre a barragem. Por isso fico preocupado.
Será que ele vai assinar"? E depois
mandou um recado plea imprensa presente: "Não
quero barragens no Rio Xingu. Espalhem isso".
Raoni também fez questão
de dizer que os kayapó querem paz para seus
filhos e netos. Afirmou que seu povo está
crescendo, que vive da caça e da pesca, de
peixe. “Quero comida para meu povo”, disse o cacique.
Belo Monte na ONU
Sting contou aos jornalistas que
sua mulher Trudie - com quem fundou a Rainforest
US em 1989, depois de ter participado do encontro
de Altamira - havia falado na Assembléia
Geral da ONU na semana passada contando a história
de Raoni e o caso da hidrelétrica de Belo
Monte.
"Há 20 anos eu tinha
a intuição de que a floresta era importante
para o planeta e há algum tempo a ciência
comprovou isso”. Sting relembrou a viagem que fez
com Raoni a muitos países do mundo divulgando
a importância de demarcar os territórios
indígenas e levando o protesto dos indígenas
contra a construção de Belo Monte.
O primeiro projeto da Rainforest
recém-criada foi apoiar o reconhecimento
oficial da Terra Indígena Mekragnoti, Kayapó.
Em 1991, a TI foi demarcada.
Na década de 11000, a Rainforest
passou a apoiar projetos no Parque Indígena
do Xingu, em parceria com o ISA. Entre eles, o monitoramento
dos limites do Parque para prevenir invasões
e o desenvolvimento de um sistema de educação
bilíngue para 14 etnias que ali vivem, estimulando
o desenvolvimento sustentável e apoiando
a Associação Terra Indígena
do Xingu (Atix). O Parque Indígena do Xingu
é hoje uma ilha verde preservada no coração
do Mato Grosso, pressionada de todos os lados pela
expansão da fronteira agrícola.
Também no caso dos índios
Panará, a Rainforest Foundation e o ISA desempenharam
papel fundamental no retorno desse povo ao seu território
ancestral, em 1996, 25 anos depois de um exílio
forçado no Parque do Xingu para onde foram
levados após quase terem sido totalmente
dizimados pela construção da BR 163,
rodovia que liga Cuiabá a Santarém,
na década de 1970. Os Panará também
obtiveram uma vitória histórica, em
2003, ao serem indenizados pelo governo brasileiro
por decisão da Justiça. (Saiba mais).
Raoni convidou Sting para participar
da inauguração da nova aldeia Kayapó,
em abril do ano que vem. O cantor disse que tentaria
ir e levaria sua mulher Trudie.
O Encontro de 1989
O ISA sempre acompanhou de perto
os debates sobre Belo Monte. Já em 1988,
por meio do Programa Povos Indígenas no Brasil,
do Centro Ecumênico de Documentação
e Informação (Cedi), uma das organizações
que deu origem ao Instituto Socioambiental (ISA),
denunciou os planos de construir hidrelétricas
e outras obras de infraestrutura na Amazônia,
sem consulta aos povos indígenas, e mobilizou
a opinião pública contra essa arbitrariedade.
Para avançar na discussão
sobre a construção de hidrelétricas,
lideranças kaiapó reuniram-se na aldeia
Gorotire em meados de 1988 e decidiram pedir explicações
oficiais sobre o projeto hidrelétrico no
Xingu, formulando um convite às autoridades
brasileiras para participar de um encontro a ser
realizado em Altamira (PA). A pedido do líder
indígena Paulo Paiakan, o antropólogo
Beto Ricardo e o cinegrafista Murilo Santos, do
Cedi, participaram da reunião, assessorando
os kaiapó na formalização,
documentação e encaminhamento do convite
às autoridades.
Na seqüência, uniram-se
aos kaiapó na preparação do
evento. O encontro finalmente aconteceu e o Cedi,
com uma equipe de 20 integrantes, reforçou
sua participação no encontro. Ao longo
desses anos, o Cedi, e depois o ISA, acompanharam
os passos do governo e da Eletronorte na questão
de Belo Monte, e os impactos que provocaria sobre
as populações indígenas, ribeirinhas
e todo o ecossistema da região.
O I Encontro dos Povos Indígenas
do Xingu acabou ganhando imprevista notoriedade,
com a maciça presença da mídia
nacional e estrangeira, de movimentos ambientalistas
e sociais e do cantor Sting, na época líder
da banda The Police, que é sucesso até
hoje embora tenha se dissolvido. Cerca de três
mil pessoas participaram do evento, entre elas 650
índios de diversas partes do país
e de fora, lideranças como Raoni, Marcos
Terena, Paulo Paiakan e Ailton Krenak; autoridades
como o então diretor da Eletronorte, e hoje
presidente da Eletrobrás, José Antônio
Muniz Lopes, o então presidente do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama), Fernando César
Mesquita, deputados federais; 300 ambientalistas,
e cerca de 150 jornalistas.
Foi nessa ocasião que a
índia Tuíra, prima de Paiakan, levantou-se
da platéia e encostou a lâmina de seu
facão no rosto do diretor da estatal num
gesto de advertência. A cena correu o mundo,
reproduzida em jornais de diversos países
e tornou-se histórica. O evento foi encerrado
com o lançamento da Campanha Nacional em
Defesa dos Povos e da Floresta Amazônica,
exigindo a revisão dos projetos de desenvolvimento
da região, a Declaração Indígena
de Altamira e uma mensagem de saudação
do cantor Milton Nascimento. O encontro de Altamira
é considerado um marco do socioambientalismo
no Brasil.
ISA, Inês Zanchetta.