Com base nesses dados, pesquisadores
identificaram 540 áreas-chave
para a conservação dessas espécies
nas águas doces do país, 40% delas
em estado avançado de degradação
Brasília, 30 de junho de
2010 — Um grupo de seis pesquisadores do Museu de
Zoologia da Universidade de São Paulo, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
da ONG Conservação Internacional (CI-Brasil)
identificou 819 espécies de peixes raros
de água doce no Brasil. O estudo, publicado
hoje pela revista científica eletrônica
PLoS ONE (http://www.plosone.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0011390)
é resultado das análises das informações
acumuladas ao longo de décadas sobre a fauna
de peixes brasileiros e de coleções
científicas e representa o mais completo
mapeamento já elaborado sobre peixes raros
de água doce no Brasil.
“Esse mapeamento representa um
passo importante para que finalmente a sociedade
brasileira passe a reconhecer que os nossos rios,
além de serem fontes de água, alimento
e energia, são também lugares onde
uma importante parte da biodiversidade única
do país está presente”, afirma Naércio
Menezes, da Universidade de São Paulo e coautor
do estudo.
Com base nas distribuições
das espécies de peixes raros foram identificadas
540 bacias hidrográficas que podem ser consideradas
como áreas-chave para a conservação
(ACB) dos ecossistemas aquáticos brasileiros.
As ACBs são lugares insubstituíveis,
pois abrigam espécies de peixes que somente
ocorrem lá e em nenhuma outra parte do mundo.
“Sem estudos detalhados de mapeamento, é
impossível saber quais áreas específicas
abrigam biodiversidade única e sob grande
ameaça,” enfatiza outro autor do estudo,
Cristiano Nogueira, da Universidade de Brasília.
Segundo o estudo, apenas 26% das
540 bacias hidrográficas identificadas como
ACBs podem ser consideradas como razoavelmente protegidas.
Do total, 220 (40%) ACBs estão em estado
crítico devido ao impacto direto de hidrelétricas
ou por apresentarem uma combinação
de baixa proteção formal (Unidades
de Conservação) e altas taxas de perda
de habitat. Tais áreas críticas passam
por um rápido processo de degradação
ambiental e abrigam 344 espécies endêmicas
de peixes, ou seja, aquelas apenas encontradas na
região. “Se o atual ritmo de degradação
dessas ACBs continuar como está, o Brasil
corre o risco de perder uma parcela importante do
seu patrimônio biológico único
em pouco tempo, o que seria um desastre em grandes
proporções para a principal potência
biológica do planeta”, afirma Fábio
Scarano, diretor-executivo da CI-Brasil.
Pioneirismo – O estudo é
o primeiro realizado em microescala no Brasil, o
país com a fauna de peixes de água
doce mais rica do mundo. “Os resultados apontam
que a conservação da biodiversidade
aquática e a manutenção desses
ecossistemas têm sido negligenciadas ao longo
dos anos”, diz um dos autores do estudo, Paulo Buckup,
pesquisador do Museu Nacional da UFRJ e presidente
da Sociedade Brasileira de Ictiologia. Segundo Buckup,
o estudo somente foi possível em virtude
da imensa quantidade de conhecimento acumulado nas
últimas duas décadas pelos ictiólogos
brasileiros, que formam um grupo de excelência
mundialmente reconhecido na área de biodiversidade.
De acordo com Thais Kasecker,
coordenadora de serviços ecossistêmicos
do programa Amazônia da CI-Brasil e uma das
autoras da pesquisa, o estudo apresenta um método
simples e direto de detecção de áreas-chave
para a conservação de ecossistemas
de água doce baseado na presença de
espécies restritas a microbacias e ameaçadas
de extinção. “A metodologia utilizada
representa um ponto de partida para a elaboração
de estratégias de conservação
mais representativas, que aliam tanto os ecossistemas
aquáticos quanto os terrestres”, diz Kasecker.
“A criação urgente
de planos de conservação para as ACBs,
a implementação de governança
apropriada de ecossistemas aquáticos e de
pagamentos por serviços ambientais nessas
540 áreas-chave identificadas serão
decisivas para evitar a extinção de
peixes raros de água doce do Brasil”, conclui
José Maria Cardoso da Silva, vice-presidente
da CI para a América do Sul e um dos autores
do artigo.
Referência – Para unir os
esforços de pesquisadores na área,
a Conservação Internacional criou
o site http://peixesraros.conservation.org.br/.
Seguindo o modelo lançado no ano passado
apara as plantas raras do Brasil (www.plantasraras.org.br),
o objetivo do site é ser referência
de informação sobre os peixes raros
do país. O site disponibiliza o estudo, em
inglês, e os resultados apontados, com mapas
com a localização das ACBs e das espécies
e informações adicionais em português.
“Nosso objetivo é que as
informações geradas possam ser utilizadas
por todos os setores da sociedade brasileira em
seus esforços para conservar a biodiversidade
do país”, diz Scarano.