Organizações explicam
porque não endossam conclusões do
relatório
Brasília, DF, 22 de
junho de 2010 — Recentemente lançado nos
Estados Unidos, o estudo “Fazendas aqui, florestas
lá”, patrocinado pela organização
National Farmers Union (União Nacional de
Fazendeiros), principal sindicato rural norte-americano,
e apoiado pela Avoided Deforestation Partners (Parceiros
pelo Desmatamento Evitado) – uma aliança
informal de pessoas e organizações
que defendem o fim do desmatamento no mundo, foi
feito para promover a aprovação da
lei de mudanças climáticas, em tramitação
no Senado americano. Um dos dispositivos desse projeto
de lei prevê a possibilidade de que grandes
poluidores norte-americanos possam compensar suas
emissões de gases do efeito estufa, financiando
a proteção de florestas em países
tropicais. É o caso da Indonésia e
do Brasil, onde o desmatamento torna esses dois
países o terceiro e o quarto maiores poluidores
do clima no planeta, respectivamente.
Elaborado com a intenção
de convencer parte da bancada republicana – contrária
à lei – a mudar de posição,
sobretudo a pertencente a estados com grande produção
agropecuária, o estudo defende que o investimento
em mecanismos de desmatamento evitado em países
tropicais elevaria os ganhos da agricultura norte-americana,
não só diminuindo os custos com a
mudança de tecnologia para reduzir a emissão
de gases do efeito estufa, mas, sobretudo, afastando
a competição de produtores rurais
desses países, que hoje competem diretamente
com os americanos pelos mercados de commodities
agrícolas. Segundo o estudo, os ganhos poderiam
alcançar US$ 270 bilhões entre 2012
e 2030 só com a diminuição
da competição dos países tropicais.
Em função dessa
conclusão infundada, esse estudo vem sendo
usado, nos últimos dias, por diversos parlamentares
e lideranças ruralistas brasileiros para
defender a tese de que a proteção
de florestas no Brasil é algo que contrariaria
o interesse nacional. Com isso, querem justificar
a necessidade de aprovação de um projeto
de lei que altera dramaticamente a legislação
florestal brasileira. Nessa história, no
entanto, estão enganados os ruralistas norte-americanos
e os brasileiros.
Em primeiro lugar o estudo, que
desconhece a realidade brasileira, é equivocado
ao assumir que o fim do desmatamento por aqui significaria
paralisar a expansão da produção
de commodities agrícolas a preços
competitivos. Segundo dados da Universidade de São
Paulo/Esalq, temos pelo menos 61 milhões
de hectares de terras de elevado potencial agrícola
hoje ocupadas por pecuária de baixa produtividade
e que podem ser rapidamente convertidas em áreas
de expansão agrícola. Com o fim da
expansão horizontal da fronteira agrícola,
há forte tendência de valorização
da terra e de substituição dos sistemas
de produção agropecuária de
baixa produtividade (que garimpam os nutrientes
e degradam o meio ambiente) por sistemas de produção
mais intensivos e com maior produtividade. Estudos
da Embrapa mostram que há um cenário
ganha-ganha quando se incorpora tecnologias (recuperação
de áreas de pastagens degradadas, agricultura
com plantio direto, sistemas integrados de lavoura-pecuária
e lavoura-pecuária-floresta) nas áreas
atualmente ocupadas com agricultura e pecuária,
aumentando a produção, reduzindo custos
e emissões de gases do efeito estufa. No
caso do Brasil, onde 4/5 das terras agricultáveis
são ocupadas por pastagens, tais ganhos são
especialmente expressivos - de forma que poderíamos
dobrar nossa produção de alimentos
sem ter que derrubar novas áreas de floresta
e ainda recuperando aquelas áreas onde o
reflorestamento se faz necessário por seu
potencial de prover serviços ecossistêmicos.
Portanto, o aumento da produção
agrícola não passa necessariamente
pelo aumento ou continuidade do desmatamento, como
quer fazer crer o estudo norte-americano. Os produtores
competitivos não são os que usam métodos
do século XVIII, grilando terras públicas,
desmatando e usando mão de obra escrava e
sonegando impostos. Pelo contrário, são
os que investem em tecnologia e mão de obra
qualificada para o bom aproveitamento de terras
com infraestrutura adequada. Por essa razão
até mesmo a Confederação Nacional
da Agricultura – CNA, afirma que não é
mais necessário desmatar para aumentar e
fortalecera produção agropecuária
brasileira.
Não devemos esquecer que
a preservação e a recuperação
de florestas no Brasil interessam, antes de tudo,
a nós mesmos. O fornecimento de produtos
florestais, a regulação das águas
e do clima, a manutenção da biodiversidade,
são todos serviços ambientais prestados
exclusivamente pelas florestas e indispensáveis
à sustentação da agropecuária
nacional.
Frente a isso, repudiamos não
só as conclusões do estudo norte-americano,
como a tentativa de usá-lo para legitimar
propostas que, essas sim, atentam contra o interesse
nacional, ao permitir o desmate de mais de 80 milhões
de hectares e a anistia definitiva para aqueles
já ocorridos, o que coloca em cheque a possibilidade
de cumprirmos com as metas assumidas de redução
de emissões de gases de efeito estufa e recuperar
a oferta de serviços ambientais em regiões
hoje totalmente desreguladas, algumas inclusive
em desertificação. Aumentar a produção
agropecuária com base no desmatamento de
novas áreas é uma lógica com
data marcada para acabar, tão logo os recursos
naturais se esgotem e o clima se modifique. Não
podemos, nesse momento em que o Código Florestal
pode vir a ser desfigurado pela bancada ruralista
do Congresso Nacional, nos desviar da discussão
que realmente interessa ao país, que é
saber se precisamos ou não das florestas
para o nosso próprio bem-estar e desenvolvimento.