Daniel Mello
Repórter da Agência
Brasil
São Paulo - Cerca de 40% de toda área
de vegetação nativa do Brasil estão
em propriedades privadas. Segundo estudo coordenado
pelo professor da Universidade de São Paulo
(USP), Gerd Sparovek, o país detém
270 milhões de hectares de reserva legal,
consideravelmente mais do que os 170 milhões
de hectares protegidos por unidades de conservação
e dentro de terras indígenas.
Apesar de essas áreas serem
fragmentos, diferentemente das unidades de conservação,
o professor do Instituto de Biociências da
USP, Jean Paul Metzger, destaca que a reserva legal
é fundamental para a proteção
da biodiversidade. “Se você reduzir a conservação
apenas às unidades de conservação,
você vai ter de 3% a 6% do território
nacional protegido”, explica.
O especialista ressalta que as
grandes áreas de vegetação,
“por maiores que sejam”, têm a tendência
a perder espécies. Então, se elas
estiverem completamente isoladas, “as espécies
nunca mais conseguem recolonizar aquele espaço”.
Por isso, Jean Paul vê com
preocupação a proposta de mudança
do Código Florestal Brasileiro em tramitação
na Câmara dos Deputados. Segundo ele, o relatório
do deputado Aldo Rebelo(PCdoB-SP) permite o uso
econômico muito mais intenso da reserva legal
do que a legislação anterior. “Então,
essas áreas de reserva legal vão se
tornar praticamente áreas produtivas, perde-se
o fundamento da reserva legal como área de
preservação da biodiversidade biológica
e do uso sustentável de recursos naturais”,
critica.
A possibilidade das áreas
de proteção permanente (APPs) serem
contadas como reserva legal também é
problemática, na avaliação
do professor. Jean Paul destaca que elas têm
funções distintas e por isso, devem
ser consideradas em separado. Enquanto a reserva
existe para preservar a biodiversidade e os recursos
naturais, a APP protege regiões ambientalmente
frágeis, como encostas e margens de rios.
“A composição de espécies que
você tem nos dois locais são distintas.”
Além disso, a vegetação
nativa exerce funções sobre a própria
atividade agrícola. “Essas paisagens sem
vegetação, sem reserva legal, não
são boas, porque você deixa de ter
a proteção do solo, deixa de ter uma
série de serviços ecossistêmicos,
como polinização e controle de pragas”,
explica.
Portanto, a relação
entre a propriedade rural e a biodiversidade é
de interdependência, de acordo com a consultora
e engenheira florestal, Maria José Zakia.
Além disso, recursos naturais indispensáveis
para a produção agrícola, como
a água, também necessitam da preservação
de parte da vegetação nativa. “Essa
propriedade está sempre dentro de uma bacia
hidrográfica, você tem que organizar
a produção do que for, mas dentro
da propriedade você tem que produzir também
água.”
Edição: Talita Cavalcante
+ Mais
Mudança no modelo de produção
pode tornar reserva legal rentável para proprietários
rurais
Daniel Mello
Repórter da Agência Brasil
São Paulo - O fruto da macaúba, espécie
de palmeira nativa do oeste paulista, produz até
dez vezes mais óleo do que a soja por hectare,
sendo considerada uma opção viável
para a produção de biodiesel. Por
esse motivo, a espécie foi escolhida por
um projeto coordenado pela Universidade de São
Paulo (USP) para recuperar áreas degradas
de pastagem na região do Pontal do Paranapanema
e prover o sustento das famílias da região.
“O objetivo da nossa pesquisa
é construir um sistema de produção
agrícola em que a gente tenha uma espécie
de carro-chefe para produzir energia junto com biodiversidade
e alimento para as comunidades”, explica o responsável
pelo projeto, professor Paulo Kageyama, da Escola
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP).
Como a planta é natural
da região, o especialista destaca que ela
pode ser usada até na recomposição
da reserva legal das propriedades. Pelo projeto,
a macaúba será cultivada em conjunto
com outras espécies, algumas alimentícias,
que darão retorno mais imediato aos produtores.
As palmeiras plantadas agora levarão cerca
de cinco anos até darem os primeiros frutos.
“É uma agricultura associando árvore
com arbusto e espécies agrícolas,
principalmente frutíferas tropicais”, ressalta
Kageyama.
O modelo poderia ser aplicado,
segundo o professor, em outras regiões do
Brasil com espécies como o dendê, tornando
a reserva legal rentável aos produtores.
Essa conciliação entre a preservação
e a produtividade é o melhor caminho para
conservação da biodiversidade e recursos
naturais, na avaliação do engenheiro
florestal e militante da Via Campesina, Luiz Zarref.
A tese contraria a principal razão
alegada para modificar o Código Florestal
Brasileiro, de que a necessidade de áreas
preservadas dentro das propriedades rurais dificultam
a produção agrícola e penalizam
o produtor.
A falta de políticas públicas
voltadas para esse foco é, de acordo com
o engenheiro florestal, um entrave para se ampliar
essa forma de produção. Entre os pontos
mais importantes, Zarref destaca a a necessidade
de assistência técnica para para que
os pequenos produtores desenvolvam planos de manejo
e criem linhas de crédito subsidiadas. “Se
tivessem essas políticas públicas,
então você conseguiria transformar
de fato, mesmo uma unidade com 80% de reserva legal,
em algo viável economicamente. Mais viável
até do que o gado ou a soja,” afirmou.
O Ministério do Desenvolvimento
Agrário desenvolve algumas ações
nesse sentido, a principal é o Programa Nacional
de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Segundo o órgão, o programa tem o
objetivo de planejar e monitorar a implantação
dos financiamentos de agricultores familiares e
assentados da reforma agrária. O próprio
projeto da macaúba no Pontal do Paranapanema
é financiado por um edital do ministério
de fomento aos biocombustíveis.
No entanto, Luiz Zarref acredita
que esse tipo de iniciativa tem ser incentivada
de maneira mais ampla e sistemática pelo
poder público, de modo a realmente sustentar
um outro modelo de produção.
Esse tipo de agricultura, que
associa a mata original da região ao plantio,
em contraponto à monocultura, também
sofre menos com as pragas, sendo apropriada para
a agricultura familiar. “Quando a gente tem muitas
espécies juntas a gente tem uma redução
muito drástica de pragas e doenças.
Então a agricultura fica mais sustentável
porque a gente utiliza menos insumos, fertilizantes
minerais e praticamente não se usa agrotóxicos”,
afirma Paulo Kageyama.
Na primeira fase do projeto, que
começou a ser implementada agora, as famílias
estão sendo capacitadas para trabalhar no
novo modelo de produção. O desafio
será, segundo Kageyama, desenvolver toda
a cadeia produtiva do biocombustível e fabricar
o produto em escala comercial. Para isso, o pesquisador
espera contar com outros parceiros. “Já temos
indústrias interessadas em esmagar essa espécie,
mesmo que experimentalmente.”