Sociedade deve firmar um
pacto de colaboração:
CI-Brasil lista os principais aspectos que
devem ser debatidos para garantir a proteção
e o uso sustentável dos recursos naturais
contidos nos imóveis rurais do país
Brasília, 02 de dezembro
de 2013 — Um dos maiores desafios ambientais
do Brasil nos próximos anos será
o cumprimento da nova Lei Florestal. É
imperativo que a sociedade – governos, ONGs,
setor produtivo, academia – firmem um pacto
de colaboração e complementação
de ações que permita não
só a implementação efetiva
da referida Lei, mas principalmente uma maior
harmonização entre a conservação
ambiental e a produção agropecuária
em nosso país.
Há um ano, foi publicada
a lei 12.727/2012, como resultado da conversão
da Medida Provisória 571/2012, enviada
pelo Palácio do Planalto para complementar
os dispositivos da lei 12.561 que, entre outras
finalidades, revogou o Código Florestal
de 1965. Ainda que a nova legislação
contenha dispositivos que implicam em perdas
na proteção florestal, o momento
atual exige que o foco esteja voltado para
a sua plena implantação. É
preciso evitar mais danos à vegetação
nativa e aos seus serviços ambientais,
e conseguir reverter a sensação
de impunidade que impera na arena dos crimes
ambientais.
Nesse sentido, há
diversos desafios a serem enfrentados. Com
o intuito de contribuir para o debate público,
a Conservação Internacional
(CI-Brasil) propõe alguns pontos de
debate para promover a proteção
e o uso sustentável das florestas contidas
nos imóveis rurais do país.
1- Integração
de ações: Um primeiro ponto
refere-se ao fato de que, embora numa só
canetada tenha-se reduzido o volume do passivo
ambiental dos imóveis rurais, há
ainda pelo menos 21 milhões de hectares
a serem recuperados no país (cf. Soares-Filho,
2013). O investimento nessa recuperação
é tarefa fundamental para os próximos
anos e exigirá ação coordenada
e integrada de diferentes segmentos governamentais
e privados:
•Ao poder público
federal cabe desenvolver uma consistente política
florestal que realmente estimule a recuperação
da vegetação nativa, com linhas
de crédito atrativas, assistência
técnica adequadamente capacitada, fomento
à formação de viveiros
em locais estratégicos e financiamento
para os órgãos responsáveis,
além de uma coordenação
integrada de ações interministeriais.
•Aos governos estaduais
cabe a execução da política
no âmbito do estado, fornecendo assistência
técnica e logística, definindo
áreas prioritárias e concedendo
subsídios e créditos de maneira
criteriosa.
•No caso dos municípios,
novas oportunidades de negócios podem
surgir com o mercado da recuperação
florestal e estes poderão se beneficiar
caso adotem políticas de atração
de investimentos e de formação
de mão-de-obra adequada à atividade.
•Às Universidades
e centros de pesquisa cabe testar modelos
de recuperação, consorciamento,
restauração em escala e até
modelos de negócios que sejam rentáveis
e cumpram com as finalidades ambientais.
•Aos proprietários
e posseiros cabe a implantação
da política em seus imóveis
e o cumprimento dos compromissos de recuperação
ecológica e de manutenção
dos estoques florestais, da biodiversidade
e dos serviços ambientais.
•Organizações
não governamentais também têm
papel crucial no processo, desde o monitoramento
da implementação e pressão
política até a inovação
e execução de projetos que deixem
de ser demonstrativos e alcancem escala, promovendo
o planejamento de paisagens.
•Aos empresários
e agentes financeiros cabe se engajarem no
processo já que são elos importantes
na cadeia produtiva da restauração
florestal, com potencial de se benecifiarem
das oportunidades de negócio que surgirão
com o aumento da demanda por plantios de florestas
nativas.
2- Fortalecimento da agenda
florestal: Outra oportunidade, convergente
com o fortalecimento da política florestal,
é o estímulo ao plantio de florestas
com fins econômicos. Historicamente,
as florestas plantadas no Brasil são
formadas por espécies exóticas,
como pinus e eucalipto. É preciso ampliar
o espectro de atuação do setor,
incluindo o plantio de espécies nativas
com fins comerciais, em complemento aos esforços
de recuperação da vegetação
nativa. Embora o consórcio entre exóticas
e nativas estivesse previsto na legislação
anterior, na prática ele não
ocorreu, seja por falta de estímulos
de ordem econômica, por deficiência
na pesquisa científica, problemas com
logística ou políticas públicas
inadequadas. Outra oportunidade reside no
consórcio entre espécies arbóreas,
sejam elas exóticas ou nativas, com
outras práticas agropecuárias,
otimizando o uso dos solos, ampliando a renda
no campo e melhorando a conservação
ambiental nas propriedades. Os gargalos precisam
ser superados, sendo imprescindível
a coordenação de ações,
tendo em vista a continentalidade do território
nacional e suas particularidades.
3- Cadastramento efetivo:
O Cadastro Ambiental Rural (CAR) constitui
uma das medidas da nova legislação
com potencial de tornar efetivo o controle
ambiental sobre o uso das florestas nos imóveis
rurais e promover o planejamento de paisagens.
Contudo, para isso, há que se promover
grande investimento junto aos estados, aos
municípios e agentes privados. O cadastramento
dos imóveis deve ser visto apenas como
o primeiro passo da regularização
ambiental, e não o único. As
informações no Sistema Nacional
de Cadastro Ambiental Rural (SICAR) e nos
sistemas estaduais devem ser totalmente integradas
e públicas, permitindo o acompanhamento
da sociedade sobre o uso de um bem comum.
Constatando-se que se trata de um novo instrumento,
é preciso investir em gestão
do conhecimento, identificar lições,
corrigir erros e buscar novas abordagens que
diminuam os custos e garantam efetividade.
Nesse sentido, a CI-Brasil, com o apoio da
Climate and Land Use Alliance (CLUA), está
implementando o INOVACAR (Iniciativa de Observação,
Verificação e Aprendizagem do
CAR e da Regularização Ambiental),
um projeto que caminha nessa direção.
4- Cotas de reserva ambiental:
As áreas de vegetação
nativa excedente no imóvel rural podem
beneficiar seus proprietários através
do mecanismo de servidão ambiental,
como as Cotas de Reserva Ambiental (CRAs).
A servidão ambiental talvez tenha sido
o único benefício da nova legislação
dado àqueles que, ao longo dos anos,
vêm cumprindo suas obrigações
em matéria florestal e, por isso, provendo
serviços ambientais. É fundamental
que esses mecanismos sejam realmente implantados,
considerando em especial a situação
da agricultura familiar e seus imóveis.
Iniciativas como a da Bolsa Verde do Rio de
Janeiro (BVRio) devem ser fortalecidas e mesmo
apoiadas pelo poder público.
5- Prevenção
e combate ao fogo: A cada ano, o período
de junho a setembro registra o maior número
de focos de queimadas e incêndios. A
nova legislação estabelece um
prazo exíguo para que seja elaborada
uma política nacional de prevenção
e controle dos incêndios e queimadas
florestais. Muito mais importante do que estabelecer
o prazo, é elaborar essa nova política
de forma participativa, envolvendo as diferentes
esferas de governo e a sociedade civil, engajando
esses atores no compromisso efetivo de sua
implantação. Modelos agropecuários
alternativos ao uso do fogo já existem
e foram testados, mas não são
adotados amplamente. A nova política
precisa considerar as particularidades dos
diversos segmentos do campo, em especial os
agricultores familiares.
6- Financiamento: Outro
ponto refere-se ao financiamento, tanto para
os governos estaduais e municipais, como para
os proprietários rurais. Esse tema
não foi tratado adequadamente e pode
vir a constituir-se como o principal argumento
para o estancamento da agenda. Os estados
receberam novas atribuições
conferidas pela legislação florestal
- CAR, Programa de Regularização
Ambiental (PRA) etc. - sem que a origem dos
recursos para o cumprimento dessas novas responsabilidades
tenha sido efetivamente discutida. Debates
no Congresso Nacional que reordenaram em parte
o pacto federativo, como o ICMS, os recursos
do pré-sal, entre outros, ocorreram
sem a necessária discussão sobre
o tema do financiamento ambiental. Nesse processo,
muitas janelas foram fechadas. Enquanto outras
não se abrem, uma possibilidade seria
discutir o papel das cotas ambientais para
que, ao menos entre os agentes privados, os
custos da regularização ambiental
sejam compensados por mecanismos de mercado.
A solução
para a conservação e o uso sustentável
dos ecossistemas naturais, em suma, passa
pelo recrudescimento da agenda ambiental,
o que implica elevá-la à prioridade
nacional. Nas eleições de 2014,
espera-se que a sociedade possa cobrar de
seus candidatos reais compromissos com essa
agenda. Sem o verdadeiro engajamento dos políticos,
nada impedirá que novas investidas
contra a legislação florestal
ocorram no futuro próximo, comprometendo
o desenvolvimento e a capacidade de produção
de alimentos de forma sustentável no
Brasil.