31/07/2023
– Da Agência FAPESP – Estudo realizado na Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp) revela que o estuário
de Santos, no litoral paulista, é um dos locais mais contaminados
por microplásticos do mundo atualmente. Na pesquisa, foram
avaliadas três áreas: a região da balsa Santos-Guarujá,
a praia do Góes e a ilha das Palmas.
Para chegar a essa conclusão,
os pesquisadores compararam dados internacionais, publicados anteriormente
em mais de cem estudos de 40 países, com amostras de ostras
e mexilhões coletados nessas três regiões durante
o mês de julho de 2021. O ponto em que foi observado maior
nível de contaminação foi a área da
balsa. Nesse trecho, os animais avaliados apresentaram o pior estado
nutricional e de saúde, com uma média que variou entre
12 e 16 partículas plásticas por grama de tecido.
“Em um dos mexilhões,
nós encontramos mais de 300 microplásticos por grama.
É importante destacar que o ponto de coleta do Góes
era uma comunidade tradicional de pescadores até bem pouco
tempo. Hoje, vivem cerca de 300 pessoas ali, uma praia que é
meio afastada e só dá para chegar de barco ou por
uma trilha. Muito provavelmente, [essas pessoas] consomem esses
animais na dieta, tendo em vista que esse paredão rochoso
é de fácil acesso aos pescadores”, destaca Victor
Vasques Ribeiro, doutorando no Instituto do Mar (IMar-Unifesp).
O estudo publicado na revista Science of the Total Environment foi
conduzido durante o mestrado de Ribeiro, com apoio da FAPESP.
Como explicam os autores, um estuário
é um ambiente aquático de transição
entre um rio e o mar, que acaba sofrendo a influência das
marés e apresenta áreas de grande variabilidade que
possuem desde águas doces, na região da cabeceira,
passando por águas mais salobras, até chegar às
águas marinhas, próximo à sua desembocadura.
Esses ambientes mantêm um dos ecossistemas mais importantes
do país, os manguezais, que servem de abrigo e berçário
para um grande número de animais.
Reprodução/Arquivo Pesquisadores
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O estuário de Santos, localizado
na região metropolitana da Baixada Santista, abriga o maior
porto da América Latina e está sob a influência
direta de descargas de resíduos industriais e domésticos
dos municípios ao seu redor.
“Da minha perspectiva, nenhuma surpresa”, afirma o professor
da Unifesp Ítalo Braga de Castro sobre os resultados divulgados
no artigo.
“Como eu já estudava
outros contaminantes, via que essa região era recordista
de contaminação também para outras substâncias
químicas perigosas. Aqui, nós temos o porto mais movimentado
da América Latina e um dos maiores adensamentos urbanos brasileiros.
Santos é uma cidade populosa: considerando toda a Baixada
Santista, temos algo em torno de 1 milhão de habitantes.
Tudo isso contribui para que o estuário seja alvo do lançamento
de várias substâncias químicas perigosas e resíduos,
que vêm das atividades domésticas e industriais, além
do transporte de materiais plásticos no mar”, acrescenta.
O diferencial desta pesquisa, segundo
Castro, foi mostrar que tanto as ostras quanto os mexilhões
funcionam como sentinelas da contaminação. A conclusão
se baseia em experimentos feitos com duas espécies: a Crassostrea
brasiliana, popularmente conhecida como ostra-de-pedra, e o Perna
perna, ou mexilhão marrom.
“A partir disso, podemos ampliar
a pesquisa, usando os dois organismos para medir, historicamente,
as mudanças que têm ocorrido no nosso território”,
destaca o professor.
Agora, durante o doutorado de Ribeiro, o grupo pretende, com apoio
da FAPESP, estender a análise para os estuários do
Ceará, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro,
São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Reprodução/Arquivo Pesquisadores
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Animais bivalves
Como ostras e mexilhões filtram a água para se alimentar,
os pesquisadores imaginaram que seria interessante investigar se
esses animais poderiam ser utilizados como uma espécie de
ferramenta para ajudar a medir a contaminação por
microplásticos também em outros locais do país,
ajudando, assim, a monitorar a contaminação nas zonas
costeiras.
“São espécies
que não se locomovem, vivem a vida toda aderidos a um costão
rochoso, a uma superfície dura de uma ponte ou de um píer.
Então, são extremamente expostos à contaminação
desses locais e, como se alimentam por filtração,
acabam retendo as partículas em seus tecidos”, explica
Castro à Agência FAPESP.
Durante o estudo, foram medidos comprimento,
largura, altura e peso de conchas e tecidos. Também foram
analisados o estado de nutrição e saúde desses
organismos. “Para analisar os microplásticos, digerimos
quimicamente os tecidos utilizando uma solução de
hidróxido de potássio, tomando os cuidados necessários
para evitar a contaminação cruzada no ambiente laboratorial”,
detalha o pesquisador.
O próximo passo agora, segundo
o professor da Unifesp, será entender quando esse problema
da contaminação dos bivalves começou, tanto
em Santos quanto em outras cidades litorâneas, e como evoluiu
ao longo do tempo, conforme as indústrias foram se instalando
na região. Para isso, serão analisados animais armazenados
em coleções zoológicas.
“Por meio de uma colaboração
com o Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP),
nós analisaremos amostras coletadas e preservadas no Brasil
desde a década de 1920. Essa abordagem permitirá reconstruir
historicamente os eventos que influenciaram o aumento da contaminação”,
adianta Castro.
Políticas públicas
Para o orientador da pesquisa, é importante destacar que
contaminação é diferente de poluição.
“A gente só fala em poluição quando há
um dano. O estudo não avaliou o dano, só a ocorrência.
As pessoas usam como sinônimos, mas os termos têm significados
diferentes”, explica Castro.
Um dos achados que chamou a atenção
dos pesquisadores foi o número de fibras incolores de tamanho
entre 10 e 1.000 µm (micrômetros) encontradas na análise
das ostras e dos mexilhões, além de compostos de celulose
e acrílico, provavelmente vindos da poluição
do estuário pelo lançamento de esgotos domésticos
que contêm resíduos de lavagem de roupas. “As
fibras têxteis têm sido apontadas como o tipo mais comum
de microplásticos encontrados em zonas com altos índices
de ocupação urbana”, observa.
O professor explica que, toda vez
que um navio transporta matéria-prima para a produção
de plásticos, ele deixa escapar pequenos pedaços.
“São bolinhas de plástico, chamadas de pellets,
que vêm nos contêineres. Durante as operações
de carga e descarga, muitas dessas bolinhas acabam escapando para
o ambiente, contaminando o estuário e as praias da região
com esse material. No entanto, os microplásticos encontrados
nos moluscos não foram originados dos pellets e sim de fibras
têxteis”, destaca o professor da Unifesp.
A fonte provável, segundo ele,
é a lavagem doméstica de roupa. “Hoje em dia,
grande parte das nossas roupas é sintética, portanto,
plástica. Quando você as lava, muitas dessas fibras
se soltam e caem na rede de esgoto, onde o resíduo é
lançado. Como não tem tratamento nas estações
para remover essas partículas, elas acabam contaminando o
ambiente”, ressalta Castro.
Por isso, segundo o grupo de pesquisa,
além de fornecer as bases para estudos futuros, o objetivo
deste levantamento também foi o de reunir dados para ajudar
a pautar novas políticas públicas para saneamento
básico em todo o Brasil, tendo em vista que, atualmente,
a legislação não exige a remoção
dos microplásticos dos efluentes.
Por enquanto, o que temos é
a Lei Nº 7.661, de 16 de maio de 1988, que estabelece regras
para o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, além da
Constituição Federal, que também protege o
meio ambiente. “Não é uma ilegalidade, embora
seja um absurdo, por gerar um impacto para a saúde do estuário,
dos organismos e, na ponta final, para saúde das pessoas”,
conclui o cientista.
Áreas protegidas
Nos últimos anos, o grupo da Unifesp tem se dedicado a diversos
estudos sobre o tema, avaliando, por exemplo, a contaminação
por microplásticos no interior de áreas marinhas protegidas.
“Queremos entender se essas áreas, dedicadas à
conservação da biodiversidade, estão sob a
ameaça da contaminação. Temos duas alunas de
doutorado do laboratório dedicadas a essa temática.
A Yonara Garcia Borges Felipe focará em áreas protegidas
do Estado de São Paulo, em colaboração com
o professor da USP Alexander Turra e com Maria Teresa Castilho Mansor,
da Fundação Florestal. Já o estudo da doutoranda
Beatriz Zachello Nunes está avaliando o problema dos microplásticos
em escalas globais e nacionais, com apoio de instituições
ambientais australianas”, informa Castro.
O artigo Oysters and mussels as equivalent
sentinels of microplastics and natural particles in coastal environments
pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0048969723010847.
Fonte: Agência FAPESP.
Veja
o artigo original.
Da Agência FAPESP/Cristiane
Paião
Fotos: Reprodução/Arquivo Pesquisadores
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