15/08/2023
– Do Jornal da USP – Onde está aquele copinho
de plástico que você usou para beber água no
ano passado? E o papel da bala que chupou há cinco anos?
Pesquisas recentes têm destacado a necessidade de entender
melhor os efeitos dos fragmentos desses recipientes sintéticos
nos animais e ecossistemas de água doce. Embora a mortalidade
observada nos testes tenha sido baixa, a exposição
no longo prazo pode ter efeitos prejudiciais na saúde dos
organismos – e quanto menores os fragmentos, maior o potencial
de danos. Os efeitos cumulativos podem ser preocupantes até
para os humanos, mas como não há legislação
a respeito, também não existe ainda um monitoramento
das possíveis consequências.
São considerados microplásticos
as unidades com menos de cinco milímetros de diâmetro.
Essas partículas são encontradas desde as profundezas
do oceano até em lagos e rios. Cada tipo de plástico
possui uma composição específica que pode causar
danos diferentes no organismo. Pesquisas recentemente publicadas
pelo Laboratório de Limnologia do Departamento de Ecologia
do Instituto de Biociências (IB) da USP trazem diferentes
abordagens no trabalho com estes fragmentos.
Anfípodes de água doce
Com orientação do professor Marcelo Pompêo,
um dos estudos avaliou a exposição às partículas
de PET, o polímero usado em garrafas plásticas, na
sobrevivência e nos biomarcadores do pequeno crustáceo
de água doce Hyalella azteca. Os resultados mostraram que
não houve mortalidade significativa, mas sim um estresse
oxidativo, com a formação de espécies reativas
de oxigênio, que são tóxicas nos organismos.
Trata-se de uma ameaça silenciosa já nas concentrações
encontradas hoje nos rios.
Essa e outras pesquisas recentes indicam
que o microplástico talvez esteja mais associado a danos
físicos do que químicos, lesionando as células
dos animais com suas formas irregulares. Isso significa que até
mesmo as baixas concentrações podem causar efeitos
nocivos.
Larvas de mosquito
Há também investigações sobre a fragmentação
dos plásticos pelos próprios organismos, como o estudo
sobre larvas aquáticas de mosquito, publicado neste ano.
Para realizar a tarefa, os pesquisadores se debruçaram sobre
a toxicidade de micropartículas de polipropileno (PP) nas
larvas de moscas-d’água da espécie Chironomus
sancticaroli. Esse plástico é frequentemente usado
em potes de comida com tampas.
A exemplo da outra pesquisa, os testes
foram realizados com concentrações de poluentes iguais
às encontradas atualmente e a mortalidade dos animais expostos
foi baixa, mas a exposição ao polipropileno promoveu
alterações fisiológicas que podem tornar o
organismo suscetível a doenças e infecções.
Sem solução à
vista
O objetivo dos estudiosos atualmente é desenvolver métodos
para quantificar a presença de partículas sintéticas
no ambiente e quais seriam níveis seguros dessa presença.
A falta de pesquisas do tipo inviabiliza a adoção
de vigilância sobre esse e diversos outros poluentes encontrados
na água. Soma-se o fato de que as soluções
existentes para lidar com a poluição por plástico
ainda não têm resultados satisfatórios, como
conta ao Jornal da USP o pesquisador Lucas Gonçalves Queiroz,
um dos ecólogos responsáveis pelos artigos. “Mesmo
essas sacolas biodegradáveis, geradas de polímeros
naturais, vão ser fragmentadas e também vão
formar microplásticos. Tomar iniciativas é extremamente
importante, mas para atingir outros objetivos, como reciclagem e
redução da dependência de combustíveis
fósseis — porque boa parte dos plásticos é
obtida a partir do petróleo.”
Sobre a reciclagem, Bárbara
Rani-Borges, que também compõe o time de cientistas
do laboratório, acrescenta: “Durante o processo de
reciclagem também há produção de CO2
[gás carbônico] e o material também vai se quebrar
e gerar microplástico. A reciclagem é muito importante
para gestão dos resíduos sólidos, mas para
a problemática do microplástico não fará
tanta diferença”.
A pesquisadora, que trabalhou com
bactérias e fungos capazes de fazer a biodegradação
de plásticos, destaca que mesmo essas iniciativas não
são a solução para o problema do microplástico
no ambiente. “[Os microrganismos] precisam de uma condição
ideal de luminosidade, de temperatura, de pH [de acidez] e de uma
série de fatores que no ambiente dificilmente serão
encontrados. Não é a solução também
porque a conta não fecha. A quantidade de plástico
que é produzido anualmente é muito grande e a eficiência
desses organismos que podem induzir a biodegradação
é muito baixa. Não tem como isso ser feito em escala
industrial.”
Além dos efeitos diretos, o
plástico também pode servir como transportador de
outros contaminantes impregnados em ranhuras e poros, como pesticidas
e drogas. Da mesma maneira, alguns fungos e bactérias que
causam doenças podem colonizar a sua superfície. “É
o que alguns trabalhos chamam de plastisfera, um microecossistema.”
Como medir os danos
Para realizar testes de toxicidade, os pesquisadores usam pequenos
invertebrados. “Nós expomos esses organismos a diferentes
concentrações e conseguimos determinar qual é
letal, qual causa algum efeito tóxico”, detalha Lucas
Queiroz. Em duas das pesquisas realizadas pelo laboratório,
foram avaliados a mortalidade e o estresse oxidativo dos organismos.
Quando um poluente entra no organismo,
a tendência é que se formem espécies reativas
de oxigênio, que são tóxicas. Enzimas antioxidantes
são responsáveis por eliminar esses compostos químicos
– e o organismo entra em um estresse oxidativo quando tenta
combater esses contaminantes e precisa produzir mais enzimas do
que o normal. Por meio do aumento ou da redução da
atividade dessas enzimas, é possível saber o nível
de exposição a partículas nocivas.
Há também outras medidas
importantes. “Nós quantificamos as partículas
que foram ingeridas. Alguns dos nossos estudos avaliam também
a taxa de partículas que saem, porque pode acontecer de algumas
ficarem presas no corpo. Dependendo de quanto tempo essa partícula
ficar retida, podemos considerar como uma bioacumulação,
mas precisaria de um estudo específico para isso”,
define Bárbara Borges.
Fragmentado
Uma partícula menor normalmente é mais preocupante
do que uma maior porque quanto maior é a área de contato
relativa, maior é o nível de toxicidade. “Aquela
garrafinha de água que consumimos 20 anos atrás está
em algum lugar e, quanto mais ela vai envelhecendo, mais ela vai
se quebrando por conta das condições ambientais. Ela
virará milhões de partículas microplásticas”,
alerta a pesquisadora ao Jornal da USP. A tendência é
que essas partículas sejam reduzidas continuamente. Há
uma série de fatores ambientais que fragilizam o material
para que ele se degrade em pedaços menores, como os raios
solares, exposição a água e atrito com solo
e pedras, variações de temperatura.
Um cubo de 3 centímetros de
cada lado teria uma área superficial total de 54 centímetros
quadrados. Para calcular essa área, somamos as áreas
dos seis lados do cubo. Cada lado possui uma área de nove
centímetros quadrados (3 vezes 3 centímetros de cada
lado). Multiplicando seis por nove temos a área de contato
total de 54 centímetros quadrados.
Se a mesma peça fosse fragmentada
em cubos de 1 centímetro, seriam 162 centímetros quadrados
no total, uma área de contato três vezes maior. Para
calcular essa área, somamos as áreas totais de cada
lado dos cubos menores — 1 centímetro quadrado. Como
são seis lados e 27 cubos menores, temos um total de 162
(6 vezes 27) centímetros quadrados, que corresponde a três
vezes a área do cubo maior (3 vezes 54). Se o plástico
carregar substâncias nocivas, elas serão mais facilmente
liberadas por fragmentos menores.
Quando os pedaços são
muito pequenos, na faixa dos nanômetros (0,000001 milímetros),
podem ficar acumulados no organismo. “Quanto menor, mais fácil
também para essa partícula atravessar as barreiras
celulares, chegar a outros órgãos e ficar alojada”,
explica a pesquisadora.
O plástico é qualquer
material fabricado industrialmente cuja plasticidade permite que
seja moldado em várias formas. De acordo com um relatório
de 2021 do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Pnuma), ele soma 85% do lixo encontrado nos oceanos, onde
os rios desaguam. Os mais encontrados no ambiente são o plástico
PE (polietileno), o plástico PP (polipropileno), o PET (polietileno
tereftalato), o isopor (poliestireno) e o PVC (policloreto de vinila).
Em conjunto, eles representam cerca de 70% dos plásticos
encontrados, mas isso depende da amostra.
Bárbara Borges acrescenta que
a lavagem de roupas de material sintético, ainda mais em
temperaturas elevadas, libera milhares de fibras de poliéster,
que também são microplásticos. Embora não
considere uma solução, a cientista enfatiza a importância
de uma legislação para o problema. “É
importante reciclar o nosso lixo, reduzir a quantidade de plástico
que consumimos no nosso dia a dia, prestar mais atenção
na quantidade de lixo que produzimos e tentar encontrar uma forma
de reduzir essa quantidade, mas nós precisamos de leis mais
rígidas”. Lucas Queiroz ressalta que, mesmo que não
sejam produzidos mais plásticos a partir de hoje, o problema
já se prolongaria por gerações. “O que
temos de plástico no ambiente hoje já é suficiente
para produzir microplástico por centenas de milhares de anos.”
Fonte: Jornal da USP.
Veja
o artigo original.
Do Jornal da USP/Ivan Conterno
Fotos: Reprodução/Pixabay
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