06/10/2023
– Julia Moióli | Agência FAPESP – Pesquisadores
do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP avaliaram os
efeitos de cinco concentrações de purpurina em duas
linhagens de cianobactérias. Para os autores, é hora
de repensar o uso do material em fantasias, maquiagens e outros
produtos. Presença constante em fantasias e maquiagem de
carnaval, as partículas de glitter podem comprometer o crescimento
de organismos que constituem a base de ecossistemas aquáticos,
como as cianobactérias, que têm papel fundamental para
os ciclos biogeoquímicos da água e do solo e na alimentação
de outros organismos. A conclusão é de um estudo da
Universidade de São Paulo (USP) publicado recentemente na
revista Aquatic Toxicology.
Também conhecidas como purpurina,
as partículas de glitter são microplásticos
com menos de 5 milímetros. Seu tamanho reduzido impede que
sejam filtradas pela rede de tratamento de esgoto. Portanto, quando
os foliões tomam banho, elas escorrem diretamente pelo ralo
e se espalham por praias, sedimentos, florestas, lagos e oceanos.
Estima-se que, nos últimos anos, mais de 8 milhões
de toneladas do material foram lançados no oceano, de acordo
com a literatura científica atual.
Por não ser biodegradável,
o glitter entra em contato com os organismos aquáticos e
afeta todo o ecossistema à sua volta. Essa exposição
pode acontecer de diversas formas, como ingestão, contato
com subprodutos tóxicos ou danos e ferimentos causados pelas
bordas afiadas das partículas. Além disso, sua forma,
tamanho e propriedades físico-químicas dificultam
a medição precisa dos níveis de contaminação
da água.
Em estudo conduzido no Centro de Energia
Nuclear na Agricultura da USP (Cena-USP) com apoio da FAPESP (projetos
16/14227-5 e 18/24049-2), pesquisadores avaliaram os efeitos de
cinco concentrações de partículas de purpurina
não biodegradáveis em duas linhagens de cianobactérias,
Microcystis aeruginosa CENA508 (unicelular) e Nodularia spumigena
CENA596 (filamentosa), que são responsáveis por formações
de florações em corpos d’água. Ambas
fazem parte da coleção de quase 800 linhagens coletadas
no país pelo grupo Cyanos. Durante 21 dias, a taxa de crescimento
celular das cianobactérias foi medida a cada três dias
por meio de espectrofotometria (medição de densidade
óptica).
“Conseguimos observar que as
doses crescentes de glitter aumentam o biovolume das células
de cianobactérias, fazendo com que passem por processos de
estresse que comprometem até mesmo a fotossíntese,
o que destaca a toxicidade pouco explorada do glitter em microrganismos”,
afirma Mauricio Junior Machado, autor do estudo e pesquisador do
Laboratório de Biologia Celular e Molecular do Cena-USP.
“Vale lembrar que, se algo afeta as cianobactérias
diretamente, então indiretamente afetará outros organismos
do mesmo ambiente.”
Os resultados sugerem que concentrações
ambientais de glitter semelhantes à maior dosagem testada
(>200 mg de glitter por litro de água) podem influenciar
negativamente organismos suscetíveis dos ecossistemas aquáticos.
O efeito mais evidente foi visto em Microcystis aeruginosa, que
apresentou mudanças na taxa de crescimento durante todo o
período de experiência: um pico de crescimento foi
registrado no tratamento com glitter de 50 mg por litro de água,
enquanto o menor crescimento foi registrado com 200 mg por litro
de água. Em Nodularia spumigena, o maior crescimento foi
medido em 100 mg de glitter por litro de água, com efeitos
negativos observados em concentrações de purpurina
acima de 137,5 mg por litro de água, afetando a densidade
celular sem recuperação. A diferença na taxa
de crescimento só aconteceu no 21º dia do experimento.
Não houve diferença
significativa entre as concentrações de clorofila
e de carotenoides totais. Entretanto, em valores absolutos, ambas
as linhagens apresentaram redução de carotenoides
nos grupos expostos a 200 e 350 mg de glitter por litro de água,
e uma variação na fluorescência da clorofila
foi observada em Nodularia spumigena para células expostas
a 350 mg por litro de água.
Carnaval sustentável
Os pesquisadores acreditam que o estudo ofereça embasamento
para que o poder público e a população repensem
as comemorações da festa mais popular do país
e estimule um consumo mais consciente de itens derivados de plástico.
“O glitter foi criado para ser
usado em festividades e, nesses momentos, as pessoas acabam não
pensando na problemática criada para o meio ambiente”,
acredita Marli de Fátima Fiore, pesquisadora do Cena-USP
e coordenadora do trabalho. “Mas é preciso lembrar
que esses microplásticos comprometem e contaminam ecossistemas
tanto marinhos quanto de água doce, que são extremamente
importantes para nossa vida, e pensar em campanhas para que eles
sejam evitados ao máximo.”
Os pesquisadores pretendem agora realizar
os mesmos testes em mais linhagens de cianobactérias e também
analisar o glitter dito biodegradável para verificar se esse
material realmente não gera problemas para os organismos
(como, por exemplo, prejuízos decorrentes de possíveis
pigmentos com metais na composição).
O artigo Response of two cyanobacterial
strains to non-biodegradable glitter particles pode ser lido em:
www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0166445X23001935?via%3Dihub.
Da Agência Fapesp
Foto: Reprodução/Pixabay
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