23/10/2023
– Ao analisar itens alegadamente ecológicos comercializados
em 40 estabelecimentos, pesquisadores da Unifesp constataram que
a maioria pertence à classe dos oxodegradáveis –
banida em vários países por agravar a poluição
por microplásticos. Projetos de lei em tramitação
visam regular o comércio no Brasil.
José Tadeu Arantes | Agência
FAPESP – Um estudo famoso publicado na revista Science mostrou
que, até 2015, cerca de 6,3 bilhões de toneladas de
polímeros plásticos haviam sido produzidos e descartados
ao longo da história humana. Destes, apenas 9% foram reciclados
e 12%, incinerados. Os 79% restantes foram acumulados em aterros
sanitários ou em ambientes continentais, dos quais aproximadamente
10% alcançaram ambientes marinhos ou costeiros.
Os dados são de oito anos atrás.
E, embora alguns países tenham anunciado políticas
de “plástico zero”, a situação
está certamente muito pior agora, por efeito cumulativo,
uma vez que a produção anual é de 400 milhões
de toneladas. Em consequência, a contaminação
por microplásticos tornou-se, depois da crise climática,
um dos maiores problemas ambientais do planeta. Há microplásticos
em todos os lugares: na terra, no mar e no ar. Como afirma o pesquisador
Ítalo Castro, professor do Instituto do Mar da Universidade
Federal de São Paulo (IMar-Unifesp), “a gente só
não encontra microplásticos onde não procura”.
No corpo humano, eles já foram detectados no sangue, nos
pulmões, no coração e na placenta.
O agravante é que aquilo que
deveria ser uma solução muitas vezes constitui um
problema a mais. É o que mostra uma investigação
coordenada por Castro.
Pesquisadores do Instituto do Mar
visitaram 40 supermercados do Brasil e analisaram os produtos supostamente
feitos com plásticos biodegradáveis expostos à
venda. Os estabelecimentos foram escolhidos entre grandes redes
que atuam nos Estados de São Paulo e Rio de Janeiro. E um
total de 49 produtos diferentes, incluindo sacolas, copos, pratos,
talheres e outros utensílios de cozinha, foram encontrados.
Esses itens eram, em média, 125% mais caros do que similares
feitos de plásticos convencionais. A grande surpresa foi
verificar que nenhum deles, mesmo os de grandes marcas, atendia
aos requisitos mínimos para serem considerados de fato biodegradáveis.
O estudo teve como primeira autora
a doutoranda Beatriz Barbosa Moreno, bolsista da FAPESP sob a orientação
de Castro. Os resultados foram publicados no periódico Sustainable
Production and Consumption.
“Para ser considerado biodegradável,
um produto, quando descartado no meio ambiente, deve-se converter
em água [H2O], gás carbônico [CO2], metano [CH4]
e biomassa em um intervalo de tempo relativamente curto. Não
há consenso sobre que intervalo de tempo é esse. Mas
a ideia geral é que varie de algumas semanas a um ano. Nenhum
dos 49 itens que investigamos atendeu a esse requisito”, diz
Castro.
Segundo o pesquisador, mais de 90%
deles eram feitos com uma classe de materiais que se convencionou
chamar de oxodegradáveis. Apesar do nome, esses materiais
não sofrem degradação em condições
ambientais normais. São polímeros de origem fóssil
aditivados com sais metálicos. Os sais aceleram o processo
de oxidação e fragmentação. Mas os fragmentos
podem permanecer por décadas na natureza. Além de
não contribuir para a degradação, a fragmentação
acelera a formação de microplásticos.
“Os plásticos oxodegradáveis
já foram proibidos em vários locais do mundo, incluindo
a União Europeia. Na maioria dos casos, as proibições
ocorreram pela falta de evidências de biodegradabilidade em
ambientes reais, associada ao risco de formação de
microplásticos”, informa Castro.
Regulação
Como os plásticos oxodegradáveis ainda não
são proibidos no Brasil, sua venda não constitui crime.
No entanto, além da denominação capciosa, os
consumidores são enganados pela alegação de
muitas empresas de que seus produtos foram aprovados por normas
técnicas e testes de biodegradabilidade, como ASTM D6954-4
ou SPCR 141. “Essas normas fornecem apenas um guia para comparar
taxas de degradação e alterações de
propriedades físicas sob condições controladas
de laboratório, não avaliando as etapas finais da
degradação. Aliás, nas páginas web das
próprias normas, há advertências para que não
sejam usadas em certificações de biodegradabilidade
de produtos plásticos comerciais”, argumenta Castro.
O pesquisador ressalta que a comercialização
de um produto que não entrega o prometido, do ponto de vista
ambiental, pode ser enquadrada como prática de greenwashing,
termo em inglês que indica falsas alegações
ambientais em produtos comerciais.
“Quando um produto reconhecidamente
prejudicial para o meio ambiente passa a ser maciçamente
usado, é necessário que ações de Estado
sejam implementadas. Nesse sentido, tramita na Câmara dos
Deputados o projeto de lei 2524/2022 que, entre outras providências,
veda o uso de aditivos oxidegradantes ou pró-oxidantes em
resinas termoplásticas, assim como a fabricação,
a importação e a comercialização de
quaisquer embalagens e produtos feitos de plásticos oxidegradáveis”,
informa Castro.
Caso aprovado no seu formato atual,
diz o pesquisador, o PL 2524/2022 poderá contribuir para
a transição do Brasil rumo a uma economia circular
do plástico. “Essa transição é
uma necessidade urgente”, enfatiza Castro. E prossegue: “O
Instituto do Mar está localizado em Santos, no litoral paulista.
Em Santos, detectamos microplásticos acumulados em ostras
[Crassostrea brasiliana] e mexilhões [Perna perna]. Esses
animais são filtradores da água do mar. Por isso,
considerados o padrão-ouro para avaliação das
condições do ambiente em que se encontram. Os valores
que detectamos estão entre os maiores do mundo quando comparados
a outros 40 estudos semelhantes”, conta (leia mais em: agencia.fapesp.br/41673).
Procurado pela reportagem, o Ministério do Meio Ambiente
e Mudança do Clima (MMA) afirmou em nota que apoia o PL 2524/22,
mas com algumas alterações. “O ministério
é favorável à proibição de aditivos
oxidegradantes/pró-oxidantes, baseando-se em estudos que
comprovam a geração de microplásticos na fragmentação
de plásticos com tais aditivos – o que causa dano ambiental,
particularmente para ambientes marítimos”, sublinhou
o texto.
Já a Associação
Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) informou,
também em nota, ser favorável à proibição
da utilização do aditivo oxidegradável em produtos
plásticos. Contudo, a entidade se coloca contrária
ao PL 2524/2022, que, em sua avaliação, “confunde
economia circular com banimento de produtos plásticos, direcionando
o objeto da lei apenas a um único material”. O texto
diz ainda que “a economia circular implica uma mudança
sistêmica, portanto, exige uma abordagem macro, envolvendo
todos os setores da indústria. Enquanto isso, outro PL, o
1874/2022 [que institui a Política Nacional de Economia Circular],
traz disposições importantes, como a gestão
estratégica dos recursos, a promoção de novos
modelos de negócio, os investimentos em atividades de pesquisa
e inovação e o apoio à transição
para o uso de tecnologias de baixo carbono por meio da criação
de condições atrativas para investimento público
e privado, entre outros aspectos”.
“A Abiplast acredita no debate
sério e preciso, com informações científicas,
para que se possa promover um diálogo propositivo sobre a
correta utilização do plástico e todos os benefícios
que o material trouxe e traz para a sociedade. O setor plástico
tem sido protagonista em ações para promover a economia
circular do material, investindo em tecnologia, sustentabilidade
e inovação”, afirmou a entidade.
O artigo High incidence of false biodegradability
claims related to single-use plastic utensils sold in Brazil pode
ser acessado em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S235255092300180X?via%3Dihub.
Da Agência FAPESP
Foto: Reprodução/Pixabay
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