| 04/12/2025
– Um estudo internacional com participação
de pesquisadores do Centro de Biologia Marinha (Cebimar)
da USP reconstruiu a árvore genealógica
dos corais verdadeiros – espécies da
ordem Scleractinia. Os mais completos resultados
já obtidos revelam que os organismos sobreviveram
a diversos eventos de extinção em
massa desde o surgimento do seu ancestral comum,
há cerca de 460 milhões de anos.
Na última
quarta (22), a reconstrução foi publicada
em artigo na revista Nature e é produto do
doutorado de Claudia Vaga, no Cebimar. O trabalho
mostra que os corais escleractíneos –
da ordem Scleractinia – que habitam as profundezas
dos oceanos apresentam uma resiliência evolutiva
inusitada. Para a pesquisadora, a descoberta é
um indício de que certas linhagens desses
animais poderiam persistir frente às mudanças
ambientais contemporâneas.
Segundo
a autora, ao se compreender como esses indivíduos
sobreviveram e se diversificaram diante de crises
ambientais no passado, consegue-se inferir quais
grupos podem resistir frente ao aquecimento global
de hoje. Os organismos abissais sobreviveram e se
diversificaram frente aos estresses ambientais que
marcaram a história da Terra, enquanto os
de águas rasas sofreram grandes perdas.
“Corais
de profundidade são mais resilientes. Eles
fazem parte das linhagens mais antigas. São
os que conseguem sobreviver a perturbações
climáticas e outros eventos de extinção
em massa,” explica Claudia Vaga.
Espécies
atuais ainda estão ameaçadas de extinção
e ecossistemas marinhos continuam vulneráveis.
Mas os resultados obtidos mostram que, enquanto
grupo, existe um futuro para os corais no planeta.
Uma breve
história dos corais
O estudo aponta que os primeiros corais escleractíneos
eram solitários e heterotróficos (obtêm
nutrientes e energia de outros organismos, não
realizando fotossíntese ou quimiossíntese);
apresentavam vida livre – não eram
fixos ao substrato – e não estavam
associados a microalgas fotossintetizantes, as zooxantelas.
Como muitos organismos de águas profundas,
os pólipos (unidades do coral) eram predadores,
tais quais anêmonas, águas-vivas e
outros cnidários.
Esses
corais ocupavam diferentes regiões da coluna
d’água – das mais rasas às
mais profundas. Espacialmente dispersos, os indivíduos
se diversificaram e se especializaram para cada
ambiente. Características como a colonialidade
e a fotossimbiose (associação com
as microalgas) surgiram diversas vezes de forma
independente. Os autores identificam que a primeira
ocorrência da união ocorreu há
cerca de 300 milhões de anos – sempre
seguida de um aumento na diversidade da comunidade.
“A
simbiose favoreceu a evolução dos
corais, mas também os tornou mais dependentes”,
afirma Marcelo Kitahara, orientador de Claudia Vaga
e pesquisador do Cebimar.
“Quando
a temperatura sobe, o metabolismo dessas algas muda
e o coral acaba expelindo-as. É o que chamamos
de branqueamento,” explica. Embora não
mate o coral imediatamente, a perda das zooxantelas
é grave: sem elas, metade das espécies
atuais de corais não sobrevivem, de acordo
com os cientistas.
Animais
de superfície são mais vulneráveis
às crises ambientais quando comparados aos
parceiros de águas profundas. No decorrer
da história evolutiva, a equipe de pesquisadores
observou que em cada evento de extinção
em massa, como estresses climáticos, a diversidade
de corais se reduzia, afetando principalmente as
espécies de águas rasas. O modo de
vida livre foi fundamental para a perpetuação
da ordem – e registros fósseis sustentam
a tese.
“Corais
de águas profundas conseguem recuperar características
perdidas ao longo do tempo,” afirma Claudia
Vaga. A forma de vida livre e adaptável a
diferentes profundidades teria permitido ao grupo
sobreviver a períodos de acidificação
e aquecimento dos oceanos que dizimaram outras espécies
de recifes superficiais. Ainda que tenha havido
perda na diversidade, linhagens mais próximas
ao antepassado comum – solitárias e
heterotróficas – se perpetuaram, enquanto
as mais adaptadas à superfície foram
extintas.
Passando
em branco
Ainda que cubram apenas 0,1% do fundo oceânico,
os recifes de corais abrigam mais de um quarto da
fauna marinha em pelo menos um momento do seu ciclo
de vida – para reprodução ou
alimentação, por exemplo. Ameaças
a esses ecossistemas vulnerabilizariam, ainda, quase
1 bilhão de pessoas dependentes de seus serviços
ecossistêmicos, como a pesca e a proteção
da linha de costa contra a erosão.
Embora
os recifes rasos estejam entre os ambientes mais
ameaçados do planeta, os autores apontam
que a ordem Scleractinia dificilmente desaparecerá.
A esperança nas linhagens de água
profunda, porém, não basta.
“No
artigo, fala-se de um espaço de tempo de
460 milhões de anos,” lembra Marcelo
Kitahara. Nesse período, o planeta passou
por mudanças radicais – nem todos os
cenários seriam compatíveis com a
vida humana.
“Qualquer
período sem recifes rasos já representa
um mundo diferente do que conhecemos,” afirma
o pesquisador.
“Se,
por algum motivo, os corais desaparecerem das águas
rasas, não se sabe quanto tempo se passará
até que eles tenham uma outra oportunidade
de recolonização, de ter de novo esses
incríveis ecossistemas. É uma coisa
que ninguém sabe.” Por Theo Schwan,
do Jornal da USP.
Do Jornal
da USP
Fotos: Reprodução/Pixabay
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