STF decide se anistia
do novo Código Florestal a quem desmatou é
válida
João Fellet - Da BBC Brasil em Brasília
- 28 fevereiro 2018 - O Supremo Tribunal Federal (STF)
deve concluir nesta quarta-feira um julgamento que
tem dividido os membros da corte e terá repercussões
para os agricultores e as regras de proteção
ambiental no Brasil. Os
ministros terminarão de analisar as quatro
ações que questionam a constitucionalidade
da Lei 12.651, também conhecida como o novo
Código Florestal, sancionada em 2012 pela
então presidente Dilma Rousseff.
Entre os pontos questionados
está o perdão a multas e sanções
a agricultores que desmataram ilegalmente até
2008, um dos dispositivos mais polêmicos do
novo código.
Dez dos onze ministros já
votaram, e por enquanto há empate em relação
a vários pontos, incluindo a anistia.
O desempate caberá ao
ministro Celso de Mello, membro mais antigo da corte
e último a votar.
Preservação em
áreas privadas
A legislação brasileira determina
que todo agricultor deve manter parte de sua propriedade
preservada. No bioma amazônico, o índice
de proteção exigido é de 80%,
no Cerrado, 35%, e nos demais biomas, 20%. Essa
porção do território é
conhecida como Reserva Legal.
Também devem ser preservadas
todas as áreas ecologicamente sensíveis
das propriedades, como nascentes e matas à
beira de rios. Esses trechos são chamados
de Áreas de Preservação Permanente
(APP), considerados essenciais para a proteção
de recursos hídricos e para a manutenção
da biodiversidade.
O novo Código Florestal
criou um banco de dados para controlar o cumprimento
dessas regras: o Cadastro Ambiental Rural (CAR), hoje
com 4,7 milhões de imóveis rurais registrados
e informações detalhadas sobre a ocupação
do solo em cada propriedade. Segundo
a nova regra, proprietários que até
2008 desmataram áreas que deveriam ter sido
preservadas ficariam livres de multas e outras sanções,
desde que se registrassem no CAR e se comprometessem
a se adequar à legislação.
Se o STF julgar que essa anistia
é inconstitucional, o governo federal poderá
multar os proprietários rurais pelas infrações
cometidas antes de 2008.
O que pensam agronegócio
e ambientalistas
Entidades ligadas ao agronegócio criticam
a possível anulação do perdão.
Para Rodrigo Lima, diretor geral
da consultoria Agroicone, a mudança da regra
"criaria um cenário de insegurança
muito grande" para os agricultores.
Ele afirma que a anistia é
justa porque, até a aprovação
do novo código, as regras sobre o desmatamento
em propriedades privadas passaram por muitas mudanças,
o que dificultava seu cumprimento.
Segundo Lima, se a anistia for
revogada, "teremos uma situação
paradoxal, na qual quem fez o CAR pode ter criado
provas contra ele mesmo".
Já organizações
ambientalistas defendem a revisão da anistia.
Para a bióloga Nurit Bensusan, do Instituto
Socioambiental (ISA), o perdão "premia
os proprietários que infingiram a lei".
"Aquele que seguiu as regras,
fez tudo direitinho, vai se sentir um trouxa completo
(se a anistia for mantida)", afirma.
Ela diz ainda que a manutenção
da regra estimularia novos desmatamentos ilegais,
pois criaria a expectativa de outros perdões
no futuro.
"Quem respeitará
esse código se amanhã outra anistia
puder ocorrer?", questiona a bióloga.
Outro ponto polêmico
cuja votação no STF está empatada
trata da compensação de áreas
de Reserva Legal desmatadas além dos percentuais
mínimos por meio de pagamentos para a preservação
da vegetação excedente em outras propriedades.
Antes do novo código,
a legislação definia que compensação
deveria ocorrer na mesma microbacia hidrográfica
da propriedade que havia desmatado além da
conta. Após o novo código, passou-se
a aceitar que a compensação ocorresse
no mesmo bioma.
Para Nurit Bensusan, do ISA,
a possibilidade de compensação no
mesmo bioma "pode gerar bacias completamente
desmatadas". Ela defende o retorno à
regra anterior.
Já Rodrigo Lima, da Agroicone,
afirma que a limitação ao mesmo bioma
não necessariamente fará com que os
produtores recorram a áreas distantes para
a compensação. Ele diz que os governos
estaduais poderão definir que a compensação
ocorra no próprio Estado, pois teriam interesse
em impedir a saída dos recursos movimentados
por esse mercado.
Outros temas pendentes
Alguns outros pontos analisados pelo STF cuja votação
está empatada são:
- A possibilidade de redução
da Reserva Legal - de 80% para 50% - em municípios
na Amazônia que tenham mais da metade de seu
território ocupado por Terras Indígenas
e/ou Unidades de Conservação, ou nos
Estados com mais de 65% do território ocupado
por Terras Indígenas e/ou Unidades de Conservação
que tenham planos de Zoneamento Ecológico-Econômico
(instrumento que busca conciliar desenvolvimento
econômico e conservação ambiental);
- A permissão para realizar
atividades agropecuárias em APPs nos topos
dos morros;
- A possibilidade de novas autorizações
para o corte de vegetação a quem desmatou
ilegalmente;
Decisões já
tomadas
Em decisões festejadas por ambientalistas,
a maioria dos juízes do STF já decidiu
no julgamento que: -
Não se pode desmatar APPs para implantar
depósitos de lixo ou instalações
esportivas;
- Todas as nascentes e olhos
d'água, sejam intermitentes ou perenes, devem
ter APPs preservadas;
- APPs só podem ser desmatadas
por "interesse social" ou "utilidade
pública" quando não houver alternativas.
Outras decisões tomadas
no julgamento agradaram o agronegócio, entre
as quais a manutenção dos seguintes
pontos do novo código:
- As APPs em beira de rios devem
ser medidas conforme sua variação
média anual, e não conforme o nível
medido na cheia;
- Pequenas propriedades podem
seguir critérios menos rigorosos para recuperar
APPs na beira de rios;
- Pequenos imóveis rurais
podem plantar em regiões de várzea;
- Propriedades que desmataram
além dos percentuais mínimos atuais
ficam dispensadas de recompor as áreas caso
tenham seguido as regras vigentes no momento em
que desmataram;
- Propriedades podem contabilizar
APPs no percentual de Reserva Legal;
- Possibilidade de empregar espécies
exóticas em até 50% da Reserva Legal
desmatada.
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